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A falta de reajuste nos salários dos servidores, o atraso nos repasses mensais e o não repasse dos valores referentes a imóveis vendidos por parte do governo do Estado. Estes foram os principais problemas apontados por parlamentares, representantes de servidores públicos, de hospitais e médicos na manha desta quinta-feira (9), em audiência pública promovida pela Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa para debater a situação dos repasses e pagamentos no âmbito do IPE Saúde.
O líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa, deputado Pepe Vargas, que coordenou no início de 2019 uma subcomissão que tratou dos problemas do IPE Saúde, observou que os problemas relatados na audiência desta quinta-feira são praticamente os mesmos de há quase três anos. “Com um agravante de que quando se tratava das receitas, o não reajuste de salários dos servidores era de pouco mais de quatro anos e agora estamos chegando a quase oito anos, portanto a receita do IPE continua congelada”. Pepe observou que vai fazer quatro anos que o IPE Saúde foi criado a partir de lei que separou o IPE Previdência da Saúde, mas até agora não foi realizado concurso público. “Qual é o plano de saúde que tem 1,1 milhão de usuários e que conta com 40 funcionários? Como é que vamos cobrar a falta de auditoria se não temos servidores para fazer isso? Sem contar o fechamento de unidades”.
O parlamentar salientou que a legislação que criou o Instituto também previa que os recursos da venda de imóveis do IPE deveriam ser repassados ao Fundo de Assistência à Saúde, mas nada foi repassado até o momento. “Acho que há uma irresponsabilidade na forma como o governo do Estado vem tratando o tema IPE Saúde. É inadmissível que não trate o IPE Saúde dentro de uma estratégia de saúde para o conjunto do estado. É preciso uma estratégia de organização”, defendeu.
A deputada Sofia Cavedon também lembrou que recentemente na Comissão de Segurança e Serviços Púbicos foi realizada uma audiência pública em que se encaminhou o agendamento de uma reunião na Casa Civil para exigir o cumprimento do Art. 28 da Lei nº 15.144/2018, que determina que Estado cubra eventuais insuficiências financeiras do Fundo de Assistência à Saúde (FAS/RS) até o limite do valor dos imóveis transferidos deste para o ente estadual; além de solicitar que o Conselho de Administração do IPE prestasse informações relativas aos R$ 400 milhões que, no seu entendimento, seriam devidos pelo governo, ainda que este não o reconhecesse, bem como o plano de reestruturação da autarquia que estaria sendo elaborado. “Temos que dialogar com o governador que está fazendo o programa avançar. Ele deve para o IPE e quem recebe mal para trabalhar são os médicos, mas quem está na berlinda o tempo inteiro é o servidor, que se endivida para poder pagar anestesia”.
Para Sofia, a crise no IPE Saúde é resultado de uma escolha política do governador que vem anunciando grandes programas, mas esquece de sua responsabilidade com o servidor. É uma força que precisamos dar para o governador enxergar a relevância do IPE Saúde. “O estado vendeu patrimônio e os recursos são para equilibrar o IPE Saúde. Não dá para tirar sangue de quem está vivendo de quase nada”.
Entidades confirmam atrasos nos repasses, déficit orçamentário e valores defasados
Se por um lado o IPE tem prejudicado os servidores que, mesmo com salários congelados, estão precisando buscar recursos para pagar pelo atendimento médico; por outro, hospitais e médicos enfrentam a dificuldade com o atraso dos repasses e com a tabela defasada nos valores de cada atendimento, procedimento ou internação. Representantes de entidades destes três níveis relataram na audiência desta quinta-feira as dificuldades que vêm enfrentando.
O presidente do Sindicato dos Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos (Sindiberf), Ricardo Englert, afirmou que em 2019 o IPE começou a atrasar os repasses. Segundo ele, Há alguns anos quando o IPE complementou a automação e começou a aprimorar, assumiu o compromisso de fazer o pagamento das faturas em 30 dias. Hoje, em dezembro de 2021, os atrasos já chegam a 90 dias, mas no que concerne às contas ambulatoriais o atraso já chega a 120 dias. “Quando é pago em dia, os hospitais têm onde buscar recursos nas instituições financeiros, mas quando há atraso não há crédito. A principal consequência disso é que o grupo de servidores ficou muito reduzido em relação ao tamanho do plano”. O IPE tem aproximadamente 1,1 milhão de beneficiários e é o maior plano de saúde do Rio Grande do Sul, por isso tem uma importância fundamental no sistema de saúde.
Com a rede insuficiente, o reflexo direto recai diretamente no SUS. A cada 100 reais que o hospital gasta para atender o SUS, ele recebe em torno de 65. Isso não ocorre com o IPE e os hospitais menores têm muita dificuldade sob o ponto de vista de rentabilidade. “Por isso há o risco de hospitais fecharem as portas ou cancelarem atendimentos”, advertiu Claudio Allgayer, presidente da Associação dos Hospitais do Rio Grande do Sul. A informação foi complementada pelo superintendente do Hospital Ernesto Dorneles, Odacir B. Rossato, que afirmou que os hospitais tinham uma previsão de valores a receber, mas a mesma não se confirmou. “A corda está esticando. Ninguém suporta 90, 120 dias de atraso. O funcionário público não recebe aumento e a Saúde tem um custo muito elevado. A própria pandemia mostrou aumento inesperado de todos os insumos”, ponderou.
A presidente do Sinapers, Katia Moraes, disse que o servidor público está há sete anos sem aumento e o IPE Saúde depende do salário dos servidores e sua contribuição de 3,1% do salário e por isso o IPE vem acumulando um vácuo no seu fundo. “A inflação médica, os medicamentos têm aumentado em média 12% ao ano, fora o preço da medicina, dos combustíveis. Foi uma sequência e o IPE vem sendo saqueado há muitos anos. Especialmente pelos últimos dois governos, o IPE tem sido tratado com negligência”, disse, lembrando que a Lei determinou que em caso de déficit, o tesouro aportaria recursos. “Venderam imóveis e nada foi repassado, apesar do déficit programado e provocado por inadimplência do governo. Existe ainda um passivo e o governo não aceita pagar os juros pelos atrasos. Temos congelamento dos salários. Tudo isso já explica o deficit do IPE, que é viável, mas precisa que tenhamos governos responsáveis e que não façam o que vem acontecendo, não repassando e negligenciando”, sustentou.
Marcia Elisa Pereira Trindade, secretária geral da Federação Sindical dos Servidores do Rio Grande do Sul (Fessergs), afirmou que desde que o IPE foi dividido, muitos problemas foram criados, prejudicando os servidores. “Imagine se o IPE implode, teremos 1,1 milhão de pessoas dentro do SUS”. “Entendemos que a dificuldade de todos os prestadores é grande quando há atraso nos repasses, mas não podemos entender que os hospitais cobrem dos usuários como se fosse atendimento particular. É uma violência contra o servidor que há sete anos não tem aumento”, reclamou, cobrando a presença do presidente do IPE. O autor do requerimento da audiência, deputado Giusepe Riesgo (Novo) afirmou que as sugestões colhidas no encontro serão levadas aos gestores.
A professora Vera Lessês, do Cpers, afirmou que não há nada para comemorar dentro do IPE. “Faltam prestadores de serviços em todas as especialidades. Faltam médicos credenciados e muitos que estão credenciados não atendem a não ser que as pessoas se sujeitem a pagar meia consulta ou uma tarifa sócia. O que consideramos imoral, pois se estão conveniados devem atender os segurados”. Sobre o deficit do IPE, afirmou, se houvesse reposição salarial, consequentemente a arrecadação do instituto estaria maior. Quanto aos imóveis, disse que não houve aporte de recursos referente aos que foram vendidos. “Já alertamos em 2018, no então governo Sartori, que o governo pretendia precarizar o IPE e é isso que temos observado”.
O vice-presidente do Simers, Marcos Rovinski, observou que a entidade tem auxiliado na tentativa de achar uma saída para os honorários médicos. Foram realizadas muitas reuniões. Falou das dificuldades e exemplificou que quando para um atendimento a paciente internado, o médico recebe R$ 18, mas paga em média R$ 25 de estacionamento. “O IPE é um órgão importante, pois temos 10% da população sendo atendida. É um problema que precisa ser encarado de frente. O sistema atual do IPE não tem como se manter se não houver outro modelo de financiamento. Não tem cálculo atuarial que faça funcionar como está”.
Eduardo Neubarth Trindade, do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS), afirmou que os valores pagos pelos procedimentos são de preço vil. Muitas vezes um auxiliar cirúrgico gasta mais com estacionamento do que vai receber pelo procedimento. “Está se tornando inviável o atendimento. Há alguns anos o IPE adotou tabela com deflator muito grande, tornando inviável procedimentos pelo IPE. O Médico gasta e tem custos para atender paciente do IPE.” Para o médico, há situações que não são vistas em outros convênios. Entre elas, o valor pago por consulta médica, os valores dos procedimentos e as dificuldades para os pacientes que precisam arcar com custos de material. “A situação precisa ser repensada porque está se tornando inviável para todos”.
Filipe Costa Leiria, da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, afirmou que o IPE Saúde cumpre função de financiamento do estado e as políticas de orientação liberal tem esse viés de fazer os ajustes a partir das despesas. “A contribuição foi elevada diante da reforma previdenciária que colocou professores e brigadianos aposentados como contribuintes, mas há um processo de precarização que leva os servidores com salários mais altos a saírem do IPE”, afirmou advertindo que o PL do teto de gasto de autoria do governo assevera ainda mais essa situação. “As despesas primárias poderão crescer ao nível do IPCA. Mas a inflação médica é maior que o IPCA, então teremos grandes problemas pela frente”.
Antônio Alberto Andreazza, que representa o Cpers no Conselho de Administração do IPE Saúde, observou que o IPE é uma garantia à saúde e ao bem estar. No entanto, com a pandemia, os servidores têm enfrentado muitas dificuldades. “Ouvimos os prestadores e entidades médicas, mas os usuários nunca negaram e nunca devem nada ao IPE conforme o contrato assinado. Não acontece a mesma coisa com os prestadores e com o governo do estado”. Com as agências fechadas, as dificuldades de acesso aumentaram. “Cumprimos o contrato então gostaríamos que os prestadores também cumprissem sem cobrança extra ou outros artifícios que constrangem e limitam o acesso à saúde”, defendeu.
Texto: Claiton Stumpf – MTb 9747