A Comissão de Segurança e Serviços Públicos realizou na manhã desta quinta-feira (30) audiência pública para debater o posicionamento dos municípios detentores de estruturas próprias para gestão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgotos diante das propostas de Regionalização contidas no Projeto de Lei 234 /2021 que cria Unidades Regionais de Saneamento Básico no Rio Grande do Sul. Do encontro solicitado pela bancada do PT ficou acordado que a Comissão oficiará o governo do estado e tentará uma reunião com o relator do projeto, o deputado Elizandro Sabino (PTB), sobre a necessidade de adequar a regionalização às bacias hidrográficas, garantir a autonomia dos municípios e o controle social, além de cobrar o plano estadual de saneamento, uma vez que há empresa contratada pelo Estado para isso, além de questionar a previsão de investimentos nos municípios e sobre quem vai fazer a contabilização das fossas sépticas nos municípios.
A ausência de representantes do governo, mais uma vez, foi lamentada pelo vice-presidente da CSSP, deputado Jeferson Fernandes, que coordenou a reunião proposta pela bancada para tratar da situação dos 190 municípios com serviços próprios ou prestados por associações comunitárias. O deputado, que coordena Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública, relatou que tem conversado com os prefeitos sobre a regionalização e muitos ainda não sabem que serão afetados. “Quando chego, eles dizem que não preciso falar, pois eles não são atendidos pela Corsan, mas assim que explico que todos serão atingidos, ficam muito assustados”, relatou. Finalizado o processo, o prefeito tem 180 dias para manifestar ao governo de que não quer aderir. Jeferson considera que “é inadmissível o estado vender a empresa que ele governa e tentar tirar o poder dos municípios, que são quem detém a titularidade do saneamento, ficando com 50% de poder de decisão”. E destacou como tópico a ser discutido com Sabino o fato de, no Projeto de Lei, não haver previsão de controle social. “No máximo, o município poderá fiscalizar, mas sem deliberar”, sublinhou. Ele também lembrou a necessidade da aprovação da adesão à Regionalização ter de passar por aprovação da Câmara Municipal, ao contrário do que prega o governo. “Diz o projeto que o município terá de disponibilizar pessoal e infraestrutura para compor a Unidade Regional. Como o prefeito autorizará isso sem o consentimento dos vereadores? É óbvio que isso vai estourar no colo dos prefeitos”, alertou.
O deputado Pepe Vargas observou que o agrupamento dos 190 municípios em três regiões não atende a nenhum critério que o justifique. “Não levam em consideração as bacias hidrográficas e nenhum outro critério. Tem municípios que estão integrados em uma regional e estão em bacias hidrográficas distintas. Nos parece que há uma inspiração em tentar induzir a privatização dos serviços de saneamento, já fracassada mundialmente”. No que diz respeito aos municípios que tem serviços próprios, complementou, há uma total perda de autonomia. “Tem que ser assegurada na lei a autonomia do ente federado”.
O deputado Zé Nunes afirmou que quando foi prefeito de São Lourenço do Sul, de 2005 a 2012, experimentou um momento de planejamento do saneamento. O Brasil passou a ter uma política nacional, passando pela discussão dos municípios, de onde saíram os planos locais. “Temos uma tarefa de não deixar o estado de forma irresponsável com uma ideia fixa de cumprir preceitos da diminuição do estado sem análise de consequências. A questão da Corsan é uma luta que devemos travar buscando a resistência política e jurídica para evitar o estrago que está posto em cima de uma legislação federal, que visa viabilizar o monopólio do saneamento”. Para o parlamentar, quando se discute o planejamento de uma região, não se pode trabalhar apenas a lógica da burocracia. “O saneamento precisa de ações continuadas; e o ponto de resistência são os municípios compreenderem que não tem consistência este projeto do governo do Estado. O saneamento perpassa a questão ideológica. Tem que estar no interesse do estado e da população”.
Representantes dos municípios e entidades criticam projeto do governo
A regionalização na forma como está sendo proposta pelo governo do Estado não agradou a maioria dos participantes. O prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi, por exemplo, observou que a regionalização do esgoto está sendo debatida, mas a dos resíduos sólidos não. “É preciso fazer um debate completo sobre o saneamento para planejar, captar recursos e fazer investimentos para cumprir a legislação federal. Esse é o grande desafio para que depois não façamos um debate separado e cheguemos a soluções pela metade”, disse, lembrando que há prazos para cumprir e não existem condições financeiras e técnicas, pois a Fepam leva no mínimo cinco anos para aprovar uma única estação de tratamento. “Não é um problema de não querer fazer. É que as questões objetivas são muito mais complexas”, acrescentou. Vanazzi também observou que há o debate quanto à necessidade de autorização das Câmaras de Vereadores. “Temos a convicção de que precisa, pois estará sendo criado um novo ente público e uma nova unidade de gestão. Tudo isso vai fazer com que, em 10 anos, em torno de 200 municípios não tenham abastecimento e nem tratamento de esgoto, porque não têm viabilidade econômica”, afirmou, defendendo a regionalização por bacia hidrográfica. “Se não temos mais tragédias no Rio dos Sinos foi porque fizemos planejamento articulado e objetivo, com preocupação do cenário regional”.
Marcos Helano Montenegro, Coordenador-Geral do ONDAS Brasil, afirmou que o observatório está fazendo o acompanhamento em diversos estados e duas coisas chamam a atenção. Na iniciativa de regionalização, a adesão é voluntária e depende de uma decisão do município e só terá legitimidade se for aprovada pela Câmara de Vereadores. O mecanismo de governança sai da mão do prefeito e vai para um organismo de governança colegiado, então é fundamental ter ideia de que no RS esse processo está comprometido. O Estado está dando um golpe e vai tomar a decisão em nome dos municípios”. Outra coisa que chama a atenção, disse, em alguns estados há pagamento de outorga. “Ou seja, a concessionária paga para ter a concessão e é claro que este custo é transferido para os usuários, por isso achamos que não deve ser cobrada outorga.” Para Montenegro, a proposta do PL 234 está interessada apenas em fazer arranjo que interesse apenas à concessionária.
De acordo com o engenheiro José Homero Finamor Pinto, presidente da Associação dos Técnicos da Corsan, a empresa criada em 1966, apenas dois planos federais (Planasa e PAC) foram implementados no Brasil e o governo Leite tenta agora jogar a responsabilidade para a inciativa privada, a despeito dos resultados negativos em diversas cidades onde houve privatização. “O governo foi incompetente de fazer o plano estadual de saneamento.; Se o tivesse feito, não precisaríamos estar passando por nada disso. O governo federal fez o plano e o implementou em 2013. O governo do Estado não fez o dever de casa”. A regionalização, segundo o engenheiro, não pode ser feita sem um planejamento. “Qualquer unidade regional deveria respeitar a bacia hidrográfica e aqui isso não foi observado”.
A experiência realizada pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Caxias do Sul, uma das maiores autarquias de saneamento foi trazida pela presidenta do Sindicato dos Servidores de Caxias do Sul, Silvana Piroli. Ela afirmou que a autarquia municipal que vem com o tempo melhorando o atendimento para a população, que foi investindo em saneamento e na distribuição de água, buscando financiamentos e buscando mecanismos para melhorar. “Estamos preocupados, precisamos ter lógica de organização de acesso que permita o controle público. Consideramos que a autarquia atende à legislação e não aceitamos que ela sirva a este modelo que está se colocando sem nenhuma lógica e desconsiderando todo o investimento que foi feito em Caxias. A água não é mercadoria, o saneamento e o atendimento de esgoto também não e precisamos preservar a vida das pessoas, pois água e saneamento é saúde”. É preciso atender a população de forma universal sem aumentar custos. “Não é porque tem a lei nacional que nossos municípios vão ser penalizados aqui desconsiderando os investimentos e o trabalho já realizado”, defendeu.
O diretor-presidente da autarquia, Gilberto Meletti, recordou que em outra reunião já havia se manifestado contrário à adesão. O Samae, com 55 anos, sempre teve trabalho fonte no atendimento à população. Citou o deputado Pepe Vargas que como prefeito fez investimentos. “Temos a convicção de que podemos atingir a meta, pois viemos fazendo um trabalho ao longo do tempo. Estamos fazendo um planejamento não por força de lei, mas pela saúde pública. Pensamos em atender à cidade e nos debruçamos em cima deste projeto”, garantiu. Para Meletti, seria muito difícil Caxias compor uma unidade com municípios com características muito diferentes. “Essa proposta não condiz com a realidade e dificilmente vamos conseguir atingir os objetivos do marco do saneamento neste formato. Tem que haver outra forma do estado participar, mas respeitando as peculiaridades de cada município”.
Arilson Wünsch, Presidente do Sindiágua, lamentou a ausência de um representante do estado e afirmou que a regionalização é um processo que está atrasado e o governo deixou para fazê-lo às pressas. “No momento em que o governo joga na mesma unidade, municípios de regiões e bacias muito distintas, está priorizando a privatização”. O sindicalista lembrou também que os aditivos acabam com os subsídios cruzados e com isso a tarifa ficará mais cara.
A visão dos municípios sobre o processo de regionalização foi apresentada pelo assessor jurídico da Famurs, Rodrigo Westphalen. Segundo ele, quase uma dezena de encontros foram realizadas para oferecer informações aos gestores. “É importante que se tenha uma posição bastante pragmática sbre o que significa o novo marco legal do saneamento e o movimento de privatização que ele induz em um cenário que mostrou bastante deficiências”. As áreas técnicas da Famurs têm preocupação sobre a regionalização e entendem que é precis. “Nossa posição tem sido de auxiliar os prefeitos para que toem as melhores decisões. Enquanto entidade que auxilia os municípios, não podemos ter uma posição definitiva sobre ter ou não lei municipal. Isso vai acabar caindo dentro da ideia de autonomia política que tem o prefeito que vai colher os riscos da sua opção”. Westphalen afirmou também que o posicionamento de ainda não assinar a adesão continua sendo mantido.
O problema do debate da regionalização, para o ex-diretor-presidente da Corsan, Tarcísio Zimermann, e que o estado o misturou com o debate da privatização. Segundo ele, o saneamento foi construído com base na solidariedade. “A regionalização poderia ser universal desde que houvesse um pacto de respeito às autonomias, mas o que a lei preconiza é a sustentabilidade que não vai ser atingido por um plano completamente arbitrário que o governo do estado está propondo”. Tarcísio também observou a ausência de representante do governo. “Não vem porque não tem o que falar., Só querem privatizar e mais nada”.
Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)