Audiência busca esclarecimentos sobre uso irregular e experimental de proxalutamida em pacientes com Covid-19

Raquel Wunsch

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Bancada Estadual
Foto: Divisão de fotografia | Agência ALRS

A investigação do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul sobre o possível uso irregular do medicamento proxalutamida no tratamento de pacientes com Covid-19 no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre resultou na audiência pública realizada nesta segunda-feira (27.09) na Assembleia Legislativa. O encontro virtual, na Comissão de Segurança e Serviços Públicos, foi proposto pelo deputado Pepe Vargas (PT). O parlamentar lembrou o papel fiscalizador do Legislativo dos órgãos de administração pública direta e indireta, bem como das políticas públicas no Estado do Rio Grande do Sul. “A audiência buscou esclarecer os fatos, sem nenhum juízo de valor, realizando o debate público na medida em que foi feito o comunicado à Assembleia”.

Durante o encontro, o deputado lembrou sobre a importância de realizar pesquisas para o enfrentamento da pandemia, mas que devem ser desenvolvidas dentro do rigor da ciência e da legislação. ”Esse é o nosso objetivo garantir que sejam realizadas dentro do que preconiza a legislação”.

A denúncia, feita ao MPF sob sigilo, a partir de uma reportagem do Jornal Matinal, é de que a medicação foi aplicada em cerca de 50 pacientes, sem autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser conduzida. Segundo o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, não houve solicitação à instituição de ensaio clínico com o medicamento proxalutamida no Hospital da BM. Venâncio demonstrou espanto com a realização da pesquisa. “É algo inédito uma pesquisa, em nossa experiência, onde morrem cerca de 200 pessoas”, lamentou. “É a maior mortalidade vista até hoje no país em uma pesquisa e solicitamos uma descrição detalhada desses óbitos, para verificar a relação com placebo, mas se recusaram a fornecer essa descrição”, afirmou.

Já a BM, por meio de nota, disse que o estudo obedeceu às exigências dos órgãos competentes, tanto o Conep como a Anvisa. Além disso, o órgão anunciou a instauração de uma sindicância para apurar as circunstâncias da realização do estudo e prometeu colaborar com a investigação do MPF. Também por meio de nota, o médico Flávio Cadegiani, justificou a ausência, e disse considerar infundadas as críticas feitas por especialistas e pela imprensa. Ele afirmou que somente pesquisas para fins de registro comercial necessitam de autorização da Anvisa. No entanto, confirmou a necessidade do aval do Conep.

A procuradora da República do Ministério Público Federal, Suzete Bragagnolo, responsável pela investigação, esclareceu que o MP está trabalhando no inquérito civil e já encaminhou ofício à Anvisa, ao Conpe e ao Hospital da Brigada Militar, que prestou esclarecimentos, e também além aos médicos responsáveis pela pesquisa, Ricardo Zimerman e Flávio Cadegiani. O Ministério também está atuando na região da Serra, pois foi constatado o uso da medicação no município de Gramado.

Bragagnolo esclareceu ainda que o MP identificou a existência de uma autorização inicial pelo Conep para pesquisa, porém nunca para aplicação no Rio Grande do Sul com abrangência inferior à realizada. A procuradora destacou a necessidade de resguardar sigilo, uma vez que envolve pessoas, mas se colocou à disposição uma vez que, segundo ela, existem informações “que precisam vir à tona uma vez que trazem eventuais prejuízos à saúde da população”.

A Diretora Adjunta da 5ª Diretoria da Anvisa, Daniela Marreco Cerqueira, afirmou que buscam, via Ministério Público, esclarecer se os resultados da pesquisa são verdadeiros, pois apontam que 90% dos óbitos ocorreram no grupo do placebo e apenas 10% no grupo da substância. Segundo Daniela, os dados podem até ser verdadeiros, mas são desproporcionais. Essa quantidade de óbitos deveria levar à suspensão da pesquisa. “Não me parece uma atitude razoável não tomar providências e ver tantas pessoas morrerem”. A segunda hipótese em análise, conforme Daniela, é que pode haver equívocos na metodologia e os resultados não serem inteiramente confiáveis.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Carlos Isaias Filho, comunicou que o Cremers abriu uma sindicância para apurar os fatos.

O deputado Pepe, avaliou como positiva a audiência, mesmo sem a presença dos médicos, pois houve a oportunidade de ouvir um número significativo de entidades e identificar que os órgãos responsáveis estão investigando a situação. “Penso que o objetivo foi atendido, o comando geral da BM determinou abertura de investigação interna, o MP tem inquérito em andamento, o Cremers abriu sindicância e a Conep e Anvisa também estabeleceram procedimentos internos”. “Os órgãos que têm que agir estão agindo, portanto vamos aguardar”, concluiu.

Também participaram da audiência:
Marcela Donini e Pedro Nakamura, Editora-chefe e jornalista investigativo (respectivamente) do Matinal Jornalismo;
Maria Elisabete Dall Agnese, Assessora do MP Dra. Ana Carolina Peçanha Antônio – Médica Intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, membro do Núcleo de Avaliação de Tecnologias de Saúde, Doutora em Ciências Pneumológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e co-autora do artigo “Integridade em pesquisa clínica: o caso da proxalutamida”.
José Antônio Moura, do Grupo Temático Vigilância Sanitária da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Rosangela Dornelles – Coordenadora do Núcleo Saúde da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19

Texto: Silvana Gonçalves (MTB 9163)

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