segunda-feira, 25 novembro

O fechamento de turmas e o cancelamento de matrículas na modalidade em Educação de Jovens e Adultos (EJA) mobilizou autoridades vinculadas ao tema em audiência pública promovida na manhã desta sexta-feira (10) pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, por iniciativa da deputada Sofia Cavedon (PT). Com demanda de 4,9 milhões de jovens e adultos para cursar essa modalidade de ensino, que tem amparo constitucional, o estado vem promovendo o encolhimento da oferta de vagas, alterando a faixa etária e reduzindo as escolas habilitadas, dificultando o acesso e empurrando para competência dos municípios. Ações do Ministério Público contestam os equívocos dessas medidas e o Conselho Estadual de Educação analisa resoluções que tratam do tema.

A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, mesmo convidada, não compareceu à audiência virtual, que encaminhou pela validade da Resolução 111/2000, que assegura a prestação do ensino público e gratuito aos jovens e adultos que não conseguiram completar o Ensino Fundamental e Médio. Sofia Cavedon apontou, também, os questionamentos do Ministério Público nas mudanças promovidas pelo governo na faixa etária dos jovens até 18 anos, assunto que tramita na esfera judicial, e ainda o incentivo para que o Conselho Estadual de Educação promova debate com a sociedade sobre a fragilidade enfrentada pela EJA no RS.

Sofia Cavedon destacou a queda nas matrículas dessa modalidade de 2019 para 2020, de 70 mil para 40 mil alunos, resultado da mudança de critérios, eliminação na matrícula, de faixa etária e a não homologação de turmas. Já a rede privada perdeu poucas vagas. Mobilizados, os professores e diretores de escola, apoiados por entidades da educação, promoveram caravana pela abertura de turmas de EJA, relatou a deputada, buscando assegurar aos jovens e adultos as condições de acesso às turmas, uma vez que essa qualificação educacional repercute nas condições sociais e econômicas da maioria, em especial nas vagas de emprego. Ela lamentou a ausência da chefe da SEDUC, apesar de a maioria da comissão ter aprovado a sua convocação. Ela criticou o ajuste fiscal promovido pelo governo às custas do sacrifício da educação pública do RS, “a EJA é um compromisso de reparação e garantia do direito à educação em todas as idades, como está na Constituição Estadual”, afirmou.

Pelo Fórum de Educação de Jovens e Adultos do RS, representando o Colegiado Diretivo, o professor Guilherme Reichwald Jr. explicou o papel da EJA, garantido na legislação como “restaurador de dívida social histórica para possibilitar a metade da população brasileira o acesso à educação”. O Fórum defende essa modalidade de ensino como “questão de cidadania plena”, uma vez que no país em torno de 60 milhões de pessoas não têm educação básica completa e no RS, 4,9 milhões. É a rede estadual a responsável pelas vagas dentro do estado, com apoio dos municípios. Ele lamentou a ausência da SEDUC e a indisposição para o diálogo, situação já registrada no governo anterior, informando que o Rio Grande do Sul e Paraná são os estados com situações mais radicais de retaliações aos que buscam assegurar a permanência desse direito.

A suspensão das matrículas em EJA no segundo semestre de 2020 pela SEDUC, pelo período de um ano, retirou o direito à matrícula de 4,9 milhões de pessoas, conforme o professor. Algumas vagas foram concedidas pela SEDUC diante da pressão de coletivos da rede estadual, que passaram a enfrentar as matrículas vinculadas entre estado e municípios, dificultando ainda mais o acesso. Ele alertou para deliberação do Conselho Nacional de Educação que atrela a modalidade à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), situação que levará 80% das EJAS para o modo online ou a distância. Guilherme observou que essas políticas de gestão dentro dos estados, quando fazem medidas a exemplo do RS, e do Conselho Nacional de Educação, que legislam para a dissolução do conceito de EJA garantida pela LDB como política reparadora e retomam o conceito de Supletivo.

Guilherme pediu debate coletivo do Conselho Estadual de Educação para tratar do Parecer 111/2000, que define a prevalência das diretrizes para jovens e adolescentes no país, documento que teve a participação do Fórum e diversas entidades educacionais, “essa resolução precisa ser resguarda enquanto documento de um processo coletivo maior e plural”, conforme tem defendido também a Defensoria Pública e o Ministério Público do RS.

MP estuda ação civil pública
A promotora de Justiça do MPRS, Rosângela Corrêa da Rosa, coordenadora do Grupo de Trabalho de Educação Básica, relatou demandas de alunos do Ensino Fundamental que não completaram 18 anos e querem concluir os estudos, mas o estado tem fechado a possibilidade, contrariando inclusive a LDB. Ela tem recomendado às escolas para que formalizem a matrícula desses alunos, uma vez que há jurisprudência no Tribunal de Justiça, “não faz sentido ficar barrando”, observou, uma vez que esses jovens muitas vezes interrompem os estudos para trabalhar, por sobrevivência. Inclusive informou que o MP tentou esclarecer a recomendação da SEDUC no início de 2020, sem sucesso, e através de um grupo de promotores o assunto está em estudo, e em caso de não conseguir uma composição, poderão ingressar com ação civil pública. Ela observou, ainda, que as vagas para empregos, em sua maioria, exigem maior qualificação, o que justifica a EJA. Sobre o fechamento de turmas, disse que “o estado tem que atender a demanda independente do número de alunos em turma”. alunos.

A Defensora Pública do Núcleo de Criança e Adolescente, Andrea Paz Rodrigues, observou que a Constituição Federal garante a educação básica gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria, e também o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o acesso ao ensino obrigatório público e gratuito e não o oferecimento irregular, assim como a Lei de Diretrizes e Bases diz que os sistemas de ensino assegurarão aos jovens que não puderam frequentar, “é um direito humano fundamental para o desenvolvimento social e cultural de um país que está sendo negado”, destacou. Disse que a suspensão de matrícula ou fechamento de turmas é um dano, informando que a Defensoria encaminhou ofício à SEDUC solicitando informações e providências no início do ano, mas ficou sem resposta. Observou, ainda, que se trata de grupo vulnerável socialmente, ainda mais com a pandemia, “muitos dos prejudicados são pobres e necessitam dessa formação para superar a exclusão”, comentou Andrea, que informou sobre o avanço da liberação da vacinação de jovens e adolescentes, o que permitirá a retomada das aulas com segurança.

Pelo Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Osvaldo Dalpiaz explicou que compõe a comissão provisória que estuda a documentação e compara a Resolução 343/2018, do CEED, que trata da EJA no RS, com a Resolução publicada em maio deste ano pelo Conselho Nacional de Educação. Ele não emitiu parecer sobre o estudo e disse que em breve o mesmo será apresentado aos conselheiros “para saber o direcionamento que vamos dar a EJA no RS”. Ponderou que o Conselho é normativo, apenas orienta, enquanto que as deliberações são políticas em torno da concretização da legislação que o CEED promulga. Também apontou conflitos na nova Resolução do Conselho Nacional e a Resolução 343 do CEED, “temos que fazer compatibilização e ver o que é melhor para o estado.” Dentro do Conselho, assegurou, não há posição contrária ao fortalecimento da EJA, que “é instrumento fabuloso de inclusão destas pessoas que não tiveram, por inúmeras razões, condições de participar do processo de alfabetização e aquisição de aprendizagem no período adequado”.

Educação popular
A vice-diretora da Faculdade de Educação da UFRGS e do Fórum EJAS, Aline Cunha, argumentou sobre os conceitos da educação popular legados pelo patrono da educação brasileira, Paulo Freire, explicando que esse ataque a EJA é uma tentativa de impedir o direito desses cidadãos e está vinculado à privatização da educação. O vice-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, Alejandro Guerrero, defendeu o direito ao acesso à educação, a permanência, ao aprendizado e continuidade dos estudos, riscos que ameaçam a EJA e aumentarão a exclusão de jovens dos bancos escolares, já em curso na pandemia. Prova disso foi a abstenção em 2020 do Enseja, o exame que certifica o Ensino Fundamental e Médio, que foi de 70%.

Seguiram-se depoimentos de gestores e professores de escolas da rede estadual, como de Alan Buzzatti, da Escola Estadual Edna Mai Cardoso, de Santa Maria; Lizzi Barbosa; e Antão Tadeu Pereira Carpes, que relataram os esforços promovidos para assegurar essa modalidade às comunidades periféricas através de busca ativa. Pelo Cpers, Edson Garcia destacou as ações da entidade desde 2015 contra o fechamento da EJA.

Fonte: Agência de Notícias ALRS

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