Uma audiência pública da Comissão de Segurança e Serviços Públicos que reuniu em ambiente virtual mais de cem participantes, na tarde desta quinta-feira (2), resultou na elaboração de uma “carta aberta” ao povo gaúcho pedindo mais políticas públicas para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. O documento deverá ser remetido às prefeituras e autoridades públicas que tratam do tema.
Proposta pelo deputado Zé Nunes (PT), a audiência discutiu os desafios para a estruturação dos Conselhos Tutelares no Rio Grande do Sul, e apontou, ao final, os seguintes encaminhamentos: incluir o tema entre as pautas da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Social, coordenada pelo próprio deputado Zé Nunes, para um acompanhamento continuado e permanente; dar visibilidade ao papel do Conselho Tutelar como parceiro de direitos e não como órgão punitivo; discutir no âmbito estadual a estruturação de orçamento capaz de fornecer suporte e assessoramento aos Conselhos Tutelares nos âmbitos municipais; buscar articulação com a bancada federal pela aprovação de lei que trata dos conselhos; lutar por melhorias na estrutura física e de assessoramento dos conselhos e pela disponibilização de veículos para a execução das atividades; ampliar a oferta de cursos de capacitação aos conselheiros; e lutar por melhor remuneração como forma de reconhecer o trabalho de acolhimento e proteção desempenhado pelos conselheiros.
Na abertura do debate, o presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos, deputado Edegar Pretto (PT), explicou o contexto em que a audiência havia sido proposta, em meio a uma pandemia que colocou milhares de pessoas na condição de extrema pobreza e evidenciou ainda mais a situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Segundo o parlamentar, é preciso decisão política e orçamento para enfrentar o tema. O deputado Zé Nunes (PT) reforçou a percepção de agravamento dos problemas sociais e destacou o papel fundamental desempenhado pelos conselheiros tutelares, citando depoimentos que o marcaram e a realidade “nada simples que só eles conheciam”.
O presidente da Associação de Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul, Jeferson Careca, comemorou a oportunidade de discutir a estruturação dos conselhos, pela qual lutavam há muitos anos, e descreveu as dificuldades enfrentadas pelos conselheiros em razão da ausência de políticas públicas e da definição dos papéis de cada ente. Disse que em alguns municípios, as administrações engessavam o trabalho dos conselheiros por entendê-los como opositores, em vez de parceiros. Segundo ele, criavam-se comissões de ética para julgá-los e afastá-los e, ainda que retomassem as atividades depois, o prejuízo já estava feito. A maior prejudicada pela disputa, segundo ele, era a política da infância.
O coordenador-adjunto do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares, Júlio Cesar de Souza, ratificou as palavras do antecessor, afirmando que de fato era muito difícil atuar como conselheiro tutelar. “É um grande desafio”, declarou. “Temos dificuldades muito grandes para tentar implantar (o sistema) como foi concebido porque ainda somos vistos como uma pedra no sapato da administração municipal”, disse. “Tem alguns que são perseguidos por cobrarem a política pública”, continuou. Segundo Souza, muitos conselheiros eram humilhados e constrangidos, fazendo serviços muito além daqueles que lhes cabiam, devido à omissão de autoridades que deveriam lhes dar suporte e retaguarda. Explicou que não tinham competência para fazer investigação ou policiamento, por exemplo, mas muitas vezes eram cobrados por isso.
Representando a Secretaria de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, Juliana Azevedo reconheceu a importância da atividade de conselheiro e disse que era “preciso cuidar de quem cuidava das crianças e adolescentes”. Lembrou que uma das atribuições dos conselhos citadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) era a de assessorar o Executivo local no processo de discussão e elaboração do orçamento, o que, segundo ela, não era uma tarefa simples, por envolver conhecimento das violações ocorridas e dos perfis das populações mais atingidas. Disse que uma pesquisa recente sobre a realidade dos Conselhos Tutelares do estado apontou que apenas 52% possuíam sala de espera ou atendimento que oferecessem sigilo, ou seja, quase a metade não possuía local adequado para as suas atividades. Ainda segundo a pesquisa, 86% dispunham de carro, mas apenas 51% eram exclusivos para tal, e 34% dos conselheiros tinham algum tipo de assessoria técnica.
A defensora pública Andreia Paz Rodrigues, que coordena o Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública Estadual, disse que a destinação de recursos públicos para as atividades dos conselhos não era um favor ou benefício, mas uma determinação legal, que precisava ser lembrada aos prefeitos. Ela apontou a necessidade de curso de capacitação e de melhoria na estrutura material dos conselhos e na remuneração dos profissionais.
O médico-legista e diretor do Departamento Médico-Legal, do Instituto Geral de Perícias (IGP), Eduardo Terner, declarou seu “mais absoluto respeito e admiração pelo trabalho do conselheiro”, observando que, enquanto o perito tinha a tarefa de realizar uma boa perícia em um período específico, o conselheiro realizava um atendimento integral, sem saber quando o trabalho se encerrava.
A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do Ministério Público Estadual, Luciana Cano Casarotto, reconheceu que a relação do órgão com os conselheiros era, muitas vezes, “tumultuada”, o que também era natural, segundo ela, por envolver momentos de muita dor e o conselheiro encontrar-se “na ponta”. Disse que, embora esperadas certas “zonas cinzas” nas atribuições de cada ente, era preciso discutir e verificar como podiam ser melhorados essas atribuições e limites tendo sempre como foco a criança e o adolescente. Disse que estava sendo encaminhada uma comunicação a todos os promotores para que haja colaboração e os conflitos possam ser minimizados.
O presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/RS, Carlos Luiz Kremer, apresentou uma série de sugestões de medidas a serem adotadas e relatou ações desenvolvidas pela entidade. Disse que a OAB sempre entendeu a importância dos Conselhos Tutelares e, na última eleição para escolha dos conselheiros, realizou uma ampla campanha de divulgação que resultou em um número de eleitores três vezes maior do que o obtido no pleito anterior.
Disse que na ocasião observaram dificuldades até mesmo na interpretação do processo eleitoral, uma vez que em algumas comarcas quem elegia os conselheiros eram entidades e não os próprios cidadãos. Defendeu a realização de campanhas permanentes, não apenas pontuais, de modo a tornar a atividade do conselheiro tutelar mais conhecida pela população. Também reforçou a necessidade de participação dos conselhos na elaboração do orçamento das prefeituras, dizendo ser esta uma determinação legal e que, se descumprida, fosse acionado o Ministério Público.
Ainda contribuíram com relatos e sugestões os conselheiros tutelares Jaqueline Kieser, de Imbé, Ronaldo Quadrado, de Pelotas, Guto, de Guaíba, e Dina de Almeida, de Porto Alegre.
Texto: Marcela Santos (MTE 11679)