segunda-feira, 25 novembro

Extinção de pelo menos 4 espécies de peixes; mais de 12 mil famílias atingidas; 35 municípios afetados, 4 municípios inundados, além de outros inúmeros danos ambientais e violações de direitos humanos das populações locais foram os principais problemas apontados pelos participantes da audiência pública “Hidrelétricas no Rio Uruguai e as Consequências no Salto do Yucumã”, quanto à continuidade dos projetos de instalação das usinas Garabi/Panambi em território brasileiro e argentino. O debate foi promovido pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo, por proposição do deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), e reuniu pesquisadores do Brasil e da Argentina além de representantes dos atingidos pelas Barragens de Garabi/Panambi de ambos os países, além de estudiosos do setor energético e do tema das barragens.

Os projetos referentes à Garabi/Panambi foram suspensos por liminar em 2015, tiveram a sentença de suspensão confirmada em 2017 e em 2021, por vícios insanáveis no termo de referência. Mas os réus apresentaram embargos de declaração e o Ministério Público Estadual e Federal terão prazo para se manifestarem a respeito do caso, o que preocupa as comunidades quanto à continuidade ou não das usinas.

Teresa Pessoa, pescadora do município de Alecrim, contou que sente na pele as consequências sociais, econômicas e ambientais da instalação de usinas. “Há mais de 10 anos, a pesca do Dourado, do Surubi e da Bracanjuva é proibida no Rio Uruguai. São peixes que precisam de correnteza e ficam ameaçados pelas barragens”, explicou, lembrando que as barragens modificam o ambiente aquático de lótico (movimentado) para lêntico (água parada), o que impede a reprodução desses peixes. Teresa contou que após a instalação das barragens, as enchentes são mais frequentes, as águas descem em velocidade e forçam mais erosão nas barrancas do Rio. “As enchentes vem varrendo tudo pela frente. Não dá tempo de tirar nada do que produzimos e nem temos reconhecimento de nossas perdas”, detalhou, alertando para o fato de serem as mulheres as que mais sofrem. “De cada 10 famílias, apenas 3 têm os direitos respeitados. Porque só são reconhecidos os que têm título de propriedade, o que normalmente é dado aos homens. A empresa não reconhece o prejuízo das mulheres”, lamentou.

A pescadora relatou problemas de depressão e ansiedade quanto à retomada das obras de Garabi/Panambi, em saber se ainda terá a propriedade onde mora e para onde vão a família e os amigos. “Nunca nos consultaram sobre as usinas. Que desenvolvimento é este que explora as famílias? Não precisamos de barragens, mas de políticas públicas para preservar o nosso Rio Uruguai, conservar o Parque do Turvo e as nossas espécies”, defendeu.

O relato de Teresa vai ao encontro da narrativa da pesquisadora Elisângela Paim, coordenadora latino-americana do programa Energia e Clima, da Fundação Rosa de Luxemburgo. Ela lembrou que na relação das empresas com a comunidade há discursos “falsos” sobre redução de impactos negativos, participação popular, geração de empregos, bom uso da energia, etc.  Mas a realidade é mais trágica do que mostram os estudos. “O que ocorre desde o começo é o gradual processo de expropriação das pessoas, violação dos direitos humanos e ambientais”, alertou. Para a pesquisadora, as usinas de Garabi/Panambi não são necessárias. “Precisamos encerrar estes processos de grandes hidrelétricas, que não são fontes de energia limpa. É preciso que os deputados se posicionem de forma contundente ao lado de quem devem estar: das comunidades”, ressaltou.

Sobre os impactos ao meio ambiente, especialmente ao Parque do Turvo, em Derrubadas, Alexandre Krob, coordenador do Instituto Curicaca, que desenvolve projeto no Turvo, retomou a fala da pescadora Teresa para explicar que os peixes ameaçados de extinção pela instalação de usinas no Rio Uruguai são os do tipo migratórios, que dependem de ambientes que não sejam de água parada. Ele reforçou que a proteção destas espécies é um compromisso do Parque. “Barragens bloqueiam rotas de peixes migratórios. Garabi causará perdas de 50% na área do Dourado”, informou Krob, lembrando que seriam 60 hectares atingidos pelas barragens. Ele destacou que o Parque do Turvo possui florestas maduras e raras. “Como compensar a perda de 60ha se não há florestas fora do Parque. O Turvo é uma ilha cercada de monoculturas”, lamentou.

Quanto à relevância das usinas, Alexandre Krob ressaltou que o investimento estimado da Eletrobras é de R$ 27 bi, o que daria cerca de R$ 13,5 bi para 650 MWh para o Brasil; quando o sistema solar de 1 MWh custa R$ 5 bi; R$ 3,2 bi para os mesmos 650 MWh. “Sem assumir eficácia de 50% da energia solar, não faz sentido”, argumentou.

Titular da secretaria de Turismo de Derrubadas, Angelita Bomm destacou o potencial turístico do Parque e a ampliação do número de visitantes, mesmo após sete meses de fechamento em função da pandemia. “Além da questão do desenvolvimento, a gente tem amor pelo Turvo, pela riqueza de fauna e flora. Antes de 2019, recebíamos 12 ou 13 mil visitantes/ ano. Chegamos agora à marca de 29 mil turistas”, valorizou.

O prefeito de Barra do Guarita, Rodrigo Locatelli, mostrou preocupação com o Parque e com o Rio Uruguai, que banha o município.  “Viemos há duas gestões nos manifestando contra estas barragens. Há redução de peixes, não sabemos quando tem mais ou menos água. Com tanta destruição de florestas no Brasil inteiro, temos de defender cada hectare do Turvo”, reforçou.

Representando o senador Paulo Paim, a senadora suplente, Reginete Bispo salientou a pertinência do debate sobre a preservação do meio ambiente no atual contexto. “A gente já vive uma crise climática, uma desagregação de comunidades. No caso de Garabi/Panambi, já temos a legislação, um estudo de impacto ambiental que desabona, podemos levar este debate ao senado para reforçar a defesa do Parque do Turvo”, sugeriu.

Gilberto Cervisnki, pela direção do Movimento dos Atingidos por Barragens, falou sobre o cenário de grandes aumentos nas contas de luz da população. “Um representante da Aneel me confidenciou que se aplicassem todos os reajustes necessários, o aumento seria de 38% na luz. É o que está por vir no setor elétrico. Estão privatizando tudo e jogando para frente o tarifaço da luz, que deve subir mais 26% em média com a venda da Eletrobras. É terrível”, criticou.

Por fim, Jeferson propôs que o debate sobre o tema das usinas e as informações compartilhadas na audiência sejam levadas ao secretário estadual do Meio Ambiente, Luís Henrique Viana, às bancadas federais e às prefeituras locais para ampliar a discussão. “Estes projetos de hidrelétricas vêm embalados numa propaganda de desenvolvimento que ganha destaque nos veículos de comunicação. E logo se fecham ao debate. Precisamos sim, seguir discutindo os impactos destes projetos”, reiterou o deputado, que concluiu. “Estamos vendo uma verdadeira barbárie em nível internacional e nacional, mas continuamos como se nada tivesse acontecido. Não podemos permitir isso”.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)

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