Cotas Judiciário: Maior vigência da política e comissão de aferição são principais adendos a PL aprovado

Cotas Judiciário: Maior vigência da política e comissão de aferição são principais adendos a PL aprovado
Reprodução TV AL

A necessidade de estabelecer diálogo com o governador Eduardo Leite para que ele vete o artigo 76 do Projeto de Lei 239/2016, aprovado na terça-feira (04/05) passada, que institui cotas de 20% para negros nos concursos do Judiciário e Magistratura; e de instituir-se uma Comissão de heteroidentificação racial para evitar fraudes no ingresso de candidatos foram os principais encaminhamentos feitos pelos participantes da audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH), que discutiu o projeto na manhã desta quarta-feira (12/05). O debate, cujo proponente foi o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), teve a participação da Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do RS, Dra. Karen Luise de Souza e da promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, Dra. Lívia Sant’ Anna Vaz, entre integrantes do MP/RS, Ajuris, Defensoria Pública, etc.

Para a Dra. Karen, a aprovação do projeto no Legislativo gaúcho, apesar de ter recebido 13 votos contrários e contado com 10 abstenções, representa a disposição do Legislativo em dar eficácia jurídica ao princípio da igualdade, contido na Constituição Federal, já que, apesar deste, há um “abismo social entre as vidas de pessoas negras e brancas”. Ela informou que o Judiciário gaúcho tem apenas 3% de magistrados negros, 2 pretos e 13 pardos, e que o Conselho Nacional da Magistratura prevê que somente em 2049 haverá cerca de 25% de negros no sistema de Justiça. “Não haverá, portanto, equilíbrio de participação de negros na Magistratura até 2024, como prevê o projeto”, alertou a juíza, lembrando a vigência de apenas 3 anos da política de cotas contida no artigo 76. Ela defendeu ainda a criação de uma Comissão para aferição da heteroidentificação dos candidatos, coordenada pelo Judiciário, para evitar fraudes no acesso à carreira judiciária.

Da Bahia, Dr.ª Lívia entende que o estado brasileiro promoveu, inclusive por meios legislativos, a sociedade racista atual. Ela lembrou que o país foi o último a decretar o fim da escravidão e que, embora os livros não informem, aplicou uma política de embranquecimento da população na sequência, baseada em racismo eugenista. “Um decreto de 1890 proibia africanos de entrarem no Brasil como imigrantes. Por outro lado, havia subvenção e estímulo à imigração europeia, com acesso facilitado à terra, postos de trabalho e moradia”, detalhou.  A promotora vê como fundamental reconhecer o trabalho do Estado na desconstrução dessa realidade. “É preciso estabelecer cotas em todos os concursos públicos estaduais, incentivar isso nos municípios. As instituições deviam refletir a respeito. Mas, infelizmente, isso não acontece”, opinou a Drª Lívia, após comentar que apenas 18% da Magistratura do país é composta por negros e, destes, 6% são mulheres. “’Aquilo que não se contabiliza é invisível’; e o que não se contabiliza, não se administra, não detém direitos”, refletiu a promotora, que assinalou: “precisamos da efetividade desta política pública. Racismo é pauta democrática. Não há democracia com racismo”.

Gleidson Renato Martins, assessor jurídico do Movimento Negro Unificado foi um dos autores da minuta que deu origem ao projeto de lei, em 2014, junto com demais integrantes do Judiciário gaúcho. Ele retomou a importância da ampliação do prazo de vigência da política de cotas. “Não há como celebrar esta legislação com apenas 3 anos de vigência. Quem garante que haverá concurso neste período?”, questionou. Ele contou que já articula com o desembargador Rui Portanova, outro autor da proposta, a Associação dos Juízes do RS, Ajuris; a própria juíza Karen Souza para convencer o governador Eduardo Leite a aguardar e acolher parecer do pleno do Tribunal de Justiça da impossibilidade da vigência atual. “Sugiro que esta Comissão encaminhe ao presidente do TJ-RS pedido de indicativo de acolhimento à decisão do pleno”, frisou.

Representando a Defensoria Pública do RS, a Dr. ª Aline Palermo lembrou que recentemente o órgão ampliou o percentual de 20% para 30% de reserva de vagas para negros; excluiu o ponto de corte e reduziu a nota mínima para classificação na primeira fase do concurso público. “Nossa preocupação, enquanto instituição, é a busca de soluções e a garantia de efetiva representatividade da população negra nas instituições públicas”, ressaltou.

Pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos, Dr. Jorge Terra, da Procuradoria Geral do Estado, destacou a importância da diversidade nas instituições públicas. “As instituições não foram feitas para si próprias, mas para as ruas. Mas só terão a possibilidade de compreender as ruas e estabelecer soluções para as ruas se forem compostas de pessoas vindas de várias partes”, ilustrou.  Por outro lado, manifestou preocupação com a preparação que as escolas oferecem aos candidatos a ingressar no Judiciário. “É preciso preparar melhor para o enfrentamento do concurso. Muitos acabam não ultrapassando as primeiras fases porque há necessidade de grande dedicação, de tempo, de estudo, porque não conseguem reduzir carga horária, etc.”, disse o procurador. Ele entende que é  necessário associar outras formas de ampliar a quantidade de pessoas negras aprovadas. “Cotas são apenas reservas de vagas do Poder Público, sem um centavo de investimento. Este é o ponto que está faltando”, assinalou.

Neste sentido, Mário Rheingantz da Associação dos Defensores Públicos do RS, ressaltou a necessidade da criação de mecanismos nos regulamentos dos concursos para que não haja o que “ocorre nas carreiras jurídicas”. “As provas dissertativas, a prova oral acabam sendo as que reprovam os cotistas. Precisamos dar o próximo passo, pensando não só na 1ª fase, nas nomeações”, opinou.

Luiz Mendes, do Sindicato dos Servidores da Justiça – Sindjus – rememorou que o Judiciário já poderia ter estabelecido o sistema de cotas, já que existe na Constituição Estadual a prerrogativa. “O Judiciário não fez nada. Não fosse o Dr. Rui Portanova, desembargador, nem teríamos este projeto, que começou lá em 2014. Já poderíamos ter vários anos de vigência da legislação”, lamentou o sindicalista. Ele crê que a aprovação do PL é o início de uma reparação histórica. “O RS tem uma dívida com o povo negro, por conta dos Farrapos. Hoje, o judiciário gaúcho tem 93,9% de brancos contra 6% de negros o que é muito superior a São Paulo, onde têm-se 85,5% de brancos e 14,4% de negros”, comparou. Mendes sugeriu que as comissões de aferição de candidatos tenham 5 membros, entre integrantes da Ajuris, Sindjus, servidores, Movimento Negro e administração. Também entende que as cotas devem abranger os CC’s, estagiários do Judiciário, bem como as empresas que participarem de licitação para o Poder Judiciário.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público, Jodar Prates alertou para a inatividade de um projeto de Lei que tramita no Legislativo para instituir política de cotas no MP gaúcho. “O Simpe realizou pesquisa sobre fatores psicossociais e raça em 2018. Temos apenas 2% de negros e 3,9% de pardos. São somente 2 promotores negros. Precisamos agilizar o PL na Assembleia Legislativa para corrigir isso”, reforçou.

Ao retomar a fala, a Dr.ª Karen manifestou o entendimento de que a política de cotas no Judiciário se estenda até que seja alcançado o percentual de 20% dos cargos de magistratura ocupados por pessoas negras. Também concordou com a sugestão de que se amplie as cotas para os CCs. “É impensável que em um estado, como agente administrativo, não consiga enxergar alguém negro que possa ocupar um cargo comissionado. Não há como pensar estado igualitário sem pessoas negras pensando, executando políticas públicas. Um Judiciário branco não é um Judiciário que expressa um direito diverso”, concluiu a magistrada.

Por fim, o proponente da audiência comprometeu-se em encaminhar as medidas elencadas, do ponto de vista do Legislativo, apoiar as articulações junto ao governo para alterar a vigência do PL e fazer tratativas para agilizar a tramitação do Projeto de Lei de cotas no MP. “Vamos fazer a nossa parte para garantir que o Projeto que aprovamos se concretize com eficiência e promova de fato a ampliação da participação negra no Judiciário e no Ministério Público”, concluiu o deputado Jeferson.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)