sábado, 23 novembro

A Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (CSMA) realizou uma audiência pública, na manhã desta quarta-feira (16), para discutir a situação dos moradores e trabalhadores do Hospital Psiquiátrico São Pedro e Hospital Colônia Itapuã, na pandemia de Covid-19. Do encontro foram tirados como encaminhamentos que a Comissão manifeste-se junto ao Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) e à Secretaria Estadual de Saúde, para que não pautem na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) a questão do “revogaço” das portarias que instituem os mecanismos da Rede de Atenção Psicossocial. Que sejam convocados todos os coordenadores estaduais para discutir a Política de saúde mental e seja disponibilizado o Relatório da Consultoria do Sírio Libanês referente ao Hospital Psiquiátrico São Pedro. Que seja criada uma Frente Parlamentar com a participação da Sociedade Civil para Defender a Reforma Psiquiátrica, a retomada do Programa São Pedro Cidadão e São Pedro em Movimento e seja formalizada resposta a esta comissão, sobre a denúncia da violação de direitos de crianças e adolescentes internadas no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Também ficou acordado que o coletivo deve reforçar a luta pelo fortalecimento do SUS e da  Rede de Atenção Psicossocial e pela revogação da EC 95.

Realizada a partir de requerimento apresentado pelos deputados Valdeci Oliveira, Edegar Pretto, Pepe Vargas, Zé Nunes e Jeferson Fernandes, da bancada do PT, a audiência teve por objetivo dar continuidade a esta discussão sobre a apuração dos fatos envolvendo os casos confirmados de Covid-19, óbitos, testagem, e demais ajustes internos que foram acionados para o enfrentamento à pandemia. “Este diálogo precisará ser permanente, e devemos nos manter vigilantes diante da instabilidade da propagação deste vírus em território gaúcho. É fundamental proteger e promover cidadania às pessoas que vivem e trabalham no Hospital Psiquiátrico São Pedro e no Hospital Colônia Itapuã”, afirmou o deputado Valdeci, que presidiu a audiência.

O parlamentar recordou que em 26 de agosto, a Comissão realizou uma primeira audiência pública para discutir a situação. Na ocasião foram feitos questionamentos e solicitados documentos relativos às denúncias à Secretaria Estadual de Saúde. Também foi recomendada a investigação sobre os óbitos dos moradores dos dois hospitais e a conferência do acesso ao plano de privatização do Hospital Psiquiátrico São Pedro, feito pelo Hospital Sírio Libanês. “Agora queremos saber se houve algum movimento para que o plano de desinstitucionalização retome as propostas do São Pedro Cidadão e do São Pedro em Movimento, responsável pela construção de estratégias interdisciplinares e intersetoriais extramuros, na articulação com a sociedade e com a cultura, para garantir também condições de sociabilidade, geração de renda e exercício de cidadania das pessoas privadas de liberdade sujeitas a longas internações nos manicômios”, disse Valdeci, acrescentando que o governo do estado também deveria ter apresentado à Comissão de Saúde e à Comissão de Segurança e Serviços Públicos, bem como ao Conselho Estadual de Saúde, um plano de desinstitucionalização, que contemple o plano de habilitação de seis SRTs e outras medidas necessárias para desinstitucionalizar as cerca de 112 pessoas internadas.

O deputado questionou ainda se houve acolhimento pelo executivo da sugestão de um memorial das pessoas que ficaram esquecidas nos hospitais psiquiátricos. Afirmou que a visita dos parlamentares e entidades para verificar a situação nas dependências dos hospitais, não ocorreu por dificuldade das agendas dos parlamentares e a avalanche de pautas que demandaram atenção e dedicação. Valdeci também propôs uma reflexão sobre as medidas anunciadas pelo governo federal na última semana, em relação a Política de Saúde Mental. “No nosso entendimento são medidas de retrocesso em relação à Reforma Psiquiátrica que tanta luta nos custou para garantir a avançada legislação no nosso País e as conquistas na área da Atenção à Saúde Mental. Não podemos permitir que se retroceda. Vamos resistir e garantir a permanência e o avanço da cidadania dos usuários dos serviços de saúde mental”, sustentou.

Entidades questionam redução do número de moradores de agosto até agora 

Um dado apresentado pelos representantes da Secretaria Estadual de Saúde, na manhã desta quarta-feira, acendeu a luz de alerta entre os participantes da audiência pública. Segundo a diretora do Departamento de Coordenação dos Hospitais Estaduais (DCHE), Suelen Arduin, que  gerencia os Hospitais e Ambulatórios estaduais informou que o Hospital São Pedro conta com 508 funcionários, está com 28 pacientes internados e 55 moradores. Este ultimo número é diferente do apresentado em agosto passado quando 72 pacientes estavam residindo na unidade hospitalar. Também foi uma preocupação recorrente nas manifestações dos representantes de entidades e usuários a consultoria e possibilidade do Hospital Sírio Libanês passar a gerir os hospitais.

Suelen garantiu que não há um plano de privatização e informou que não há mais nenhum morador no São pedro positivo para Covid-19. “O que tivemos foram crianças e adolescentes, mas isso já foi controlado”, garantiu, citando medidas adotadas para evitar novos surtos e explicando o plano de desinstitucionalização. “Já estamos com processo de inaugurar mais um residencial terapêutico para desinstitucionalizar 10 moradores até o final de 2020 e até 2022 implantar quatro residenciais”. Segundo a diretora, todos os pacientes nos hospitais São Pedro e Colônia Itapuã são testados e os sintomáticos são transferidos para a enfermaria de cuidados clínicos. No Hospital Colônia Itapuã, segundo ela, há 67 servidores, 3 estagiários e 91 terceirizados. De 61 pacientes, 21 foram detectados com covid. Todos os funcionários com síndrome gripal também são testados.

Essa informação também chamou a atenção de Elpídio Borba, do Conselho Estadual de Saúde, que  afirmou que se o vírus é danoso, a falta de transparente é ainda mais. “As coisas estão acontecendo e o controle social fica sabendo só depois de algum tempo. Fiquei preocupado que ainda há pacientes graves no hospital Itapuã. Já o hospital São Pedro deveria estar fechado há muito tempo,pois não tem PPCI, tem unidades que são uma verdadeira gaiola, sem rotas de fuga. Em um incêndio, poderia ser uma catástrofe”. Segundo Elpídio, pacientes que agudizam dentro deste cenário, precisam de suporte respiratório, mas o hospital não tem essa estrutura. “Há relatos que a equipe não conseguiu nem abrir o torpedo de oxigênio”.

O professor Rafael Wolski de Oliveira questionou que no senso, em 8 de agosto, constavam 72 moradores no São pedro e agora só 55. “Para nós é importante saber o que aconteceu com essas 17 pessoas, se foram desinstitucionalizadas ou se vieram a óbito”. De acordo com Wolski, os documento a que teve acesso apontavam insuficiência de trabalhadores, constando ainda a gravidade da situação, frente à pandemia. “Se havia plano de contingência também não estavam sendo aplicados. Nenhum morador estava com equipamento de proteção. Gostaríamos de saber como está essa situação. O problema no São Pedro é histórico. Sempre sofreu e sempre teve resistências internas. Agora nos causa estranheza a aproximação com o hospital Sirio Libanês”, enumerou.

Diva Costa, do Sindisep, afirmou que os gestores não respondiam oficialmente e não abriam diálogo com a entidade que representa os servidores. “Após denúncia na imprensa, conseguimos fazer com que a secretaria e o governo olhassem para estes pacientes e as pessoas que trabalham lá. Depois de muito trabalho, podemos dizer que agora, de fato, aquilo que a SES dizia que fazia antes do surto e o plano de contingência existem e estão acontecendo, com distribuição de EPIs e testagem. No entanto, ainda preocupa os planos em relação à política de saúde mental”. Conforme Diva, a possibilidade do Sírio Libanês assumir a gestão preocupa. “Estamos atento às ações, pois sabemos que o governo Leite é muito aliado ao governo Bolsonaro que tem trabalhado para a gente retroceder e o que aconteceu essa semana do presidente da república em relação à saúde mental é preocupante. Precisamos sim fortalecer o SUS e impedir os governo de privatizar e terceirizar ainda mais a saúde. Foi o SUS que impediu que a tragédia fosse ainda maior no nosso país”.

Ana Paula de Lima, do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, lembrou que na primeira audiência denunciaram o convênio entre o município e o hospital São Pedro, que fere a reforma psiquiátrica, violando o direito de crianças e adolescentes, ao atendê-los dentro do hospital. “Denunciamos porque no termo de convênio estava previsto 25 leitos entre adultos, crianças e adolescentes e ambulatório, que sabemos que já foi fechado. O São Pedro vem recebendo recursos indevidos, pois não tem condições de entregar o que é ofertado”. Ana Paula recomendou que se faça o enfrentamento às forças negacionistas que ainda defendem a institucionalização e que negam a ciência em detrimento do lucro de alguns.

Maynar Patricia Vorga, do Conselho Regional de Psicologia, também observou que quando a entidade realizou inspeção no São Pedro, havia 70 moradores e o plano da secretaria hoje prevê apenas 55 moradores. Questionou o que será feito com os outros 15. “O conselho vai permanecer atento para ver se o plano será cumprido. Não identificamos o uso de proteção sanitária para os moradores, pois estavam fazendo refeições aglomerados e não havia máscara nem álcool gel. Assim como não havia cuidado com os moradores com deficiência.  Queremos também saber se há plano para desisntitucionalização dos moradores de Itapuã”.

Leonardo Pinho, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, afirmou que vem acompanhando porque foi informado sobre o Sírio Libanês fazer consultoria. A transparência sobre os pontos dessa consultoria, defendeu, é necessária. “Precisamos saber sobre que versa essa consultoria. As gestoras falaram que seria para propor a desinstitucionalização. Queria saber se a Assembleia ou o Conselho teve acesso ao plano de desinstitucionalização”.

Ao final da reunião, a coordenadora do setor de Saúde Mental da SES, Marilise Souza, afirmou que o plano de desinstitucionalização dos moradores do Hospital São Pedro ganhou força a partir da pandemia de covid-19. Segundo ela, além de inaugurar esse ano a primeira casa, já está prevista a contratação emergencial de cuidadores. “Não queremos fazer nada atabalhoado, mas até o final do ano que vem vamos instituir quatro casas. Também estamos verificando o remanejo para vagas em residenciais terapêuticos já existentes”. Suelen Arduin completou, dizendo que o ambulatório do Hospital São Pedro não foi fechado. Pelo contrário, está sendo fortalecido. A secretária adjunta, Ana Costa, concluiu dizendo que o Hospital São Pedro teve a expertise da qualificação de profissionais e eles serão fundamentais para cuidar do sistema de complexidade, tendo a internação como a alternativa última.

“Não ao revogaço!”, clamam entidades

O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigato, aproveitou a oportunidade na audiência pública para fazer um alerta sobre a ameaça de revogação de várias portarias que garantiram as políticas de saúde mental. Afirmou que conselho vem mobilizando e fortalecendo as frentes parlamentares. “O ‘revogaço’ pode ser feito em janeiro ou fevereiro, por isso precisamos estar mobilizados. Ano que vem haverá a 5ª conferência nacional de saúde mental que vai tratar das políticas públicas e evitar retrocessos”.

Cristian, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, defendeu o modelo comunitário como  política púbica que promova a vida, autonomia e cidadania dos pacientes de saúde mental. “Reafirmamos o compromisso com as conquistas da Reforma Psiquiátrica. A permanência dos espaços manicomiais é insustentável, pelo modelo que aponta falhas históricas”.

A ex-secretária Estadual da Saúde, Sandra Fagundes observou que há muito para enfrentar. “Talvez tenhamos o janeiro mais triste. Estamos vivendo um luto e as autoridades são responsáveis pela dimensão da tragédia que estamos vivendo”. Concluiu dizendo que o governo do Estado não deve apoiar o “revogaço”. “Trabalhamos na direção de uma política de estado e não só de governo, como é o SUS”.

Larissa, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental do Extremo Sul, anunciou os movimentos. Está sendo construída uma frente ampla para cobrar das universidades públicas repactuações para a rede psicossocial. “Precisamos garantir o cuidado em todo o território. Queremos que o governo construa um plano de saúde integrado à luta antimanicomial e queremos respostas”.

Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)

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