O debate sobre a situação dos moradores e trabalhadores do Hospital Psiquiátrico São Pedro e Hospital Colônia Itapuã, na pandemia de Covid-19, teve sua continuidade na audiência pública realizada nesta quarta-feira (16), pela Comissão de Saúde e de Meio Ambiente (CSMA) da Assembleia Legislativa. O primeiro encontro foi realizado em agosto passado, quando foram trazidos inúmeras denúncias e divergências quanto às informações oficiais sobre as duas instituições, ambas sob gestão do governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Mas o que ficou patente, nas diversas falas na audiência desta quarta-feira, é que o estado somente tomou algumas providências realmente efetivas após as denúncias feitas por entidades da sociedade civil e representativas dos trabalhadores e pacientes e que ganharam certo eco na imprensa. “Se o vírus é danoso, a falta de transparência é maior ainda, pois o controle social fica sabendo muito tempo depois”, avaliou Elpídio Borba, integrante do Conselho Estadual de Saúde. “Esse diálogo precisará ser permanente, e devemos nos manter vigilantes diante da instabilidade da propagação deste vírus em território gaúcho. É fundamental proteger e promover cidadania às pessoas que vivem e trabalham nestas unidades”, ponderou o deputado Valdeci de Oliveira, proponente da audiência juntamente com os colegas Pepe Vargas, Zé Nunes, Edegar Pretto e Jeferson Fernandes. E para que esse diálogo seja constante, Valdeci propôs articular com demais deputados e colher assinaturas para a reativação da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. “Precisamos de, no mínimo, 19 assinaturas e vamos trabalhar efetivamente para isso”, pontuou.
Nas manifestações feitas por representantes dos Conselhos Nacional (CNS) e Municipal de Saúde (CMS), de Psicologia, de Direitos Humanos, do Fórum Gaúcho e Associação Brasileira de Saúde Mental, entre diversas outras ponderações externadas por integrantes da sociedade civil, a cobrança para o governo gaúcho se posicione contra o chamado “revogaço”, um conjunto de medidas planejado e já ensaiado pelo governo Jair Bolsonaro em alterar e extinguir portarias que estruturam a política de saúde mental no País. “Ignoram os dados médicos que mostram não haver benefícios clínicos nem econômicos. Se trata de um nicho de mercado muito explorado que querem de volta”, protestou Ana Paula de Lima, do CMS, destacando que tanto o SUS quanto a política antimanicomial brasileira são referências no mundo há pelo menos trinta anos.
Outro ponto debatido no encontro foi a consultoria que está sendo feita pelo Hospital Sírio Libanês junto ao Hospital São Pedro. Oficialmente, ela seria para desinstitucionalizar a unidade, mas, diante da falta de transparência, a suspeita é de que trate, na prática, sobre a privatização da unidade. Por deliberação do colegiado, a Assembleia Legislativa, por meio da Comissão de Saúde e de Meio Ambiente, irá solicitar cópia do contrato para ter ciência do teor do acordo e respectivas diretrizes, metas e indicadores.
Também chamou a atenção dos presentes o fato de que a consultoria desconsidera outros projetos de transformação institucional, como o São Pedro Cidadão e o São Pedro em Movimento, que foram formatados e articulados em diversas etapas e com participação dos trabalhadores da referida unidade e diferentes organismos atuantes da sociedade civil. Os projetos dialogam com a implementação da reforma psiquiátrica, aprovada em 2001 no Brasil e que é resultante de uma luta iniciada na década de 1980. Ela prevê a desativação gradual dos manicômios e criação de estratégias para quem sofre de transtornos mentais possa conviver livremente na sociedade. A retomada de ambas iniciativas foi outra deliberação tirada pelos participantes da audiência.
Os presentes deliberaram ainda para que a que a CSMA se manifeste junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Secretaria Estadual da Saúde para que não pautem na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) a revogação das portarias que instituem os mecanismos da rede de atenção psicossocial, que sejam convocados todos os coordenadores estaduais para discutir a política de saúde mental, que seja formalizada resposta à CSMA sobre denúncia de violação de direitos de crianças e adolescentes internados no Hospital Psiquiátrico São Pedro, pelo fortalecimento do SUS e da rede de atenção psicossocial. “Ainda incluímos um ponto que simplesmente não pode ficar de fora de nenhum encaminhamento feito por aqueles que militam pela causa da saúde pública, que é a revogação da EC-95”, finalizou Valdeci, em referência à emenda constitucional aprovada em 2016 e que instituiu o chamado teto de gastos. Desde então, a área da saúde já deixou de receber cerca de R$ 20 bilhões do governo federal. Até o final de 2021, serão mais R$ 15 bi por conta da medida.
Texto: Marcelo Antunes (MTE 8.511)