A Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca e Cooperativismo da Assembleia Legislativa promoveu, na manhã de quinta-feira (1°), audiência pública, em ambiente virtual, para tratar da promoção de políticas de Estado para a regularização da Produção e Comercialização da Cachaça Gaúcha. A atividade foi conduzida pelo presidente do Colegiado, deputado Adolfo Brito (PP). A reunião foi proposta pelo deputado Zé Nunes (PT) e também pela deputada Zilá Breitenbach (PSDB) e os deputados Aloísio Classmann (PTB), Elton Weber (PSB), Pepe Vargas (PT) e Luiz Marenco (PDT), com o objetivo de ampliar o debate sobre a importância social e econômica da cadeia produtiva da cana-de-açúcar e derivados, em especial a cachaça, para o desenvolvimento da agricultura familiar no RS, e as milhares de famílias envolvidas nesse setor, no trato e responsabilidade no que diz respeito com a saúde financeira do Estado.
O projeto de lei (PL) 159/2020, que dispõe sobre a cachaça artesanal gaúcha, estabelece requisitos e limites para sua produção e comercialização, define diretrizes para registro e fiscalização, além de criar o Selo da Cachaça Artesanal Gaúcha e o Selo de Revenda da Cachaça Artesanal Gaúcha, constante da pauta da Ordem do Dia da próxima sessão plenária da Assembleia, concentrou as análises e sugestões do encontro. O deputado Zé Nunes, coordenador da Frente Parlamentar dos Alimentos Artesanais, afirmou que a audiência estabeleceu claramente a necessidade de politicas públicas para o setor. Ele entende que para o produtor deixar a informalidade é necessário programas de assistência e ultrapassar os limites das questões tributárias exigidas no estado. Zé Nunes pediu o adiamento da votação do PL e a ampliação do debate junto à Câmara Setorial da secretaria de Agricultura.
Manifestações
O coordenador Geral de Vinhos e Bebidas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) nas atividades de regulamentação e fiscalização do setor de bebidas, Carlos Muller disse que a legislação estadual a ser criada deve focar na promoção do produto e a formalização dos produtores diante da legislação federal que estabelecem os padrões de qualidade da cachaça. Muller apontou algumas correções necessárias a serem feitas no PL gaúcho para não haver conflito com a Lei n° 8918/1984, decretos e normativas subsequentes que tratam do assunto.
O diretor do departamento de cooperativismo e acesso aos mercados da secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo do MAPA, Márcio Madalena, sugeriu a criação de políticas públicas e estratégias para inserção no mercado dos pequenos produtores de cachaça, gerando renda ao agricultor.
O secretário-executivo da Associação dos Produtores de Cana de açúcar e Derivados do Estado (Aprodecana), Paulo Ramos, apontou inconstitucionalidades em alguns aspectos do PL 159 e pediu a ampliação do prazo para deliberação do projeto e elaboração de uma proposição mais abrangente e que atenda a todos os aspectos do setor. Ramos sugeriu a criação de programa de melhoramentos da cana-de-açúcar e o fim da substituição tributária para a cachaça.
O diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), Carlos Lima, considerou louvável a iniciativa do deputado Gabriel Souza e recomendou alguns reajustes no projeto. Lima falou sobre a capacitação do produtor na transição para o mercado legal. Eo diretor do Ibrac destacou a possibilidade de adesão do produtor de cachaça ao Simples Nacional como uma grande conquista do setor, obtida recentemente.
De acordo com a presidente da Câmara Setorial da Cachaça junto ao MAPA, Alexandra Machado Cerqueira, o Rio Grande do Sul tem a chance de se tornar modelo para o resto do país na adoção de lei que capacite e traga para o mercado legal os produtores de cachaça. Ela salientou que as politicas públicas para o setor devem focar no consumidor final do produto.
Para o coordenador geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (FETRAF-RS), Rui Valença, os agricultores precisam de programas de incentivo e assistência técnica e investimentos na qualidade da cana de açúcar. Ele entende que estes programas devem ajudar a manter as características de origem da qualidade da cachaça produzida no RS.
O representante do Ministério Público (MP), Gustavo Munhoz, contou que foi procurado pelo deputado Gabriel Souza em virtude das ações do MP relacionadas à informalidade e ao controle sanitário do produto. Ele disse que o MP apoia a tentativa de trazer os produtores para o mercado formal.
O auditor fiscal, do grupo setorial das bebidas da secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz), Rodrigo Tinoco, argumentou que 98% dos produtores gaúchos estão na informalidade e que é desejada a entrada no mercado dos produtores. Ele destacou que a venda direta do produtor ao consumidor final tem tributação reduzida. Tinoco recomendou a adoção de programas educativos para aumentar a capilaridade das informações necessárias para que o produto possa ser regularizado.
Eugenio Zanetti, da Fetag, destacou que a legislação federal é clara sobre as boas práticas na fabricação da cachaça, mas os produtores têm dificuldades em cumprir exigências fiscais com a carga tributária alta.
Produtores
O produtor de cana de açúcar e de cachaça, Evando Webber, disse que é a quarta geração da sua família que trabalha na atividade. Ele garantiu que no RS existem mais de 2 mil produtores de cachaça e que apenas 43 têm registro no ministério da Agricultura. Para ele, o assunto deve ser mais discutido. Webber disse que se o produto tiver que continuar a pagar Substituiçâo Tributária de ICMS, os agricultores continuarão na clandestinidade. O empresário alertou, ainda, que o agricultor, através do talão de nota, não consegue pagar IPI.
O prefeito municipal de Morrinhos, município da região do Litoral Norte, disse que espera a aprovação urgente do PL 159. Ele defendeu a aprovação da lei , especialmente com o agricultor pagando imposto através do seu talonário.
O produtor Samuel Strege falou sobre as dificuldades de comercialização da cachaça pelos microprodutores e alertou para a denominação diferenciada entre cachaça e aguardente.
O produtor Carlos Eduardo, de Itati, afirmou que sua família produz cachaça há muitas gerações, sempre priorizando a qualidade do produto. Ele admitiu a necessidade de mais informações para legalizar a sua produção. Silvio, também produtor de Itati, diz que gostaria de poder comercializar direto do alambique.
Fernando da Silveira, produtor de Ivoti, disse que sua propriedade familiar produz cerca de 10 mil litros/ano para sobreviver com a venda clandestina do produto. Ele garante que não compensa fabricar cachaça se tiver que pagar impostos com as mesmas tarifas dos grandes produtores.
Texto: Vicente Romano