Entidades reclamam da falta de estrutura e de diálogo por parte do governo

A Comissão de Saúde e Meio Ambiente realizou na manhã desta quarta-feira (30) audiência pública proposta pelo deputado Valdeci Oliveira (PT) para discutir a Avaliação das condições sanitárias, equipamentos de proteção individual e testagem da Covid-19 em professores, estudantes e servidores para o retorno às aulas nas escolas do RS.

As entidades manifestaram-se, veja:

As incertezas e indagações que permanecem em torno do debate da retomada das aulas presenciais estiveram presentes em todas as falas dos representantes das entidades que participaram da audiência pública. Solange Carvalho, vice-presidente do Cpers, afirmou que até agora os professores não tinham sido ouvidos. Segundo a dirigente sindical, o governo deveria estar preocupado com um plano para o ano 2021. “Este não será um ano perdido e não será a antecipação de dois ou três meses que vai fazer a recuperação pedagógica. Essa volta pode se tornar um genocídio. Vimos exemplo de Manaus que, em 20 dias, registrou 600 professores contaminados. Não temos EPIs, temos escolas com estruturas defasadas”, frisou, lembrando que se o Estado não paga sequer os salários em dia, tampouco haverá dinheiro para garantir a compra de EPIs. “Sem contar que vamos ter rodízio de alunos. Temos 40% dos professores no grupo de risco e não fomos chamados para discutir nem infraestrutura nem projeto pedagógico. Estamos preocupados, porque o governo quer dividir a responsabilidade com os prefeitos, professores e pais, que teriam que assumir termo de responsabilidade por mandar os filhos para a escola”.

O médico Carlos Isaia Filho, do Cremers, observou que alguns países fizeram o retorno e a experiência mostra que tiveram que retornar, suspender o retorno às aulas. “Entendemos a dificuldade que está havendo na população, mas a escola não vai ser a salvação da economia e de outros aspectos ligados à questão funcional”, ponderou. Para o médico, é preciso oportunizar o retorno com a maior segurança possível não só para os alunos, mas para os pais e professores, o que vai exigir uma grande operação, principalmente quanto a garantia de EPIs para todos os envolvidos no retorno do calendário escolar. “Nos preocupa também as testagens, pois os testes nos dão uma margem de insegurança. É um resultado transitório que em um dia pode estar negativo, mas, em uma ou duas semanas, pode estar positivo”.

Cindi Sandri, dirigente do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), disse que, no caso do município, a posição que a administração municipal está adotando é ainda mais preocupante, pois prevê a abertura das escolas a qualquer custo, enquanto vários municípios já determinaram que a volta às aulas só se dará em 2021. “Estamos vendo uma piora em Porto Alegre quando o prefeito se empodera da possibilidade de decidir. Não há nem preparo técnico, pois essa é uma ação de saúde e não educacional. Isso é um absurdo”, definiu.

Um desses municípios que já declarou que já decidiu não retomar as aulas presenciais neste ano é Capão do Leão. De acordo com o secretário de saúde do município, Wolke Rodrigues, o prefeito já assinou decreto determinando que as aulas não voltem neste ano. Afirmou também que tem responsabilidade com a vida da população e não vão colocar em risco a vida dos trabalhadores e das crianças. “Não podemos fazer uma experiência social em cima dos trabalhadores e das crianças e adolescentes”. Segundo o secretário, é impossível conseguir EPIs para toda a comunidade escolar. “Primeiro temos que criar condições para trabalhar com responsabilidade e adequar as escolas que, muitas vezes, não conseguem nem trocar um vidro quebrado”, disse.

Angela Salton Rotunno, do Ministério Público, disse que o objetivo da instituição sempre foi ouvir todos os envolvidos. “Temos 10 procuradorias educacionais, com profissionais com profundo conhecimento. Eles, a partir das reuniões, haverão de encontrar possibilidade de consensos no sentido de viabilizar as escolas sempre com a devida segurança. O MP nunca descuidou da necessidade de que todas as decisões sejam tomadas com base nas evidências científicas”.

Fernando Pigatto, que é presidente do Conselho Nacional de Saúde, afirmou que, quando o tema da volta às aulas entrou na pauta, a entidade realizou um debate para levantar informações. Foi publicada, em 13 de setembro, uma recomendação de que a volta às aulas só aconteça quando a pandemia estiver controlada ou com taxa decrescente e após a implementação de monitoramento contínuo e rápido, objetivando a preservação da vida e uma série de protocolos. “Achamos que qualquer decisão que contrarie a ciência e as orientações técnicas são decisões irresponsáveis e criminosas”.

Regina Brunet, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), afirmou que é preciso começar a perguntar se a volta às aulas vai “possibilitar um vínculo com os alunos ou se é apenas para a recuperação de carga horária”, pois, para garantir o espaçamento, cada sala poderá ter cerca de 12 alunos e uma professora. “Os alunos vão ficar se passando trabalhos sem higienização? Se temos nas escolas dificuldade até de ter sabonete nos banheiros como é que vamos garantir os protocolos?”, questiona. Tudo isso, afirmou a estudante, somado à dificuldade de testagem, direciona para uma grande catástrofe. “A volta às aulas sem vacina é um crime”, sentenciou.

Já a 1ª vice-presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), Alice Gaier Viario, estudante de licenciatura em Química, afirmou que não está havendo diálogo por parte do governo com a educação. O objetivo da volta, de acordo com argumentos do governo, seria para combater a evasão, mas, segundo a estudante, o problema já existia antes da pandemia e não era combatido. “Então por que voltar com as aulas agora? E qual vai ser o processo que esses alunos estarão enfrentando?”

Selene Michelin, da CNTE, falou da importância da discussão, pois a volta às aulas atinge 25% da população. Segundo ela, a entidade elaborou um protocolo de proteção à comunidade escolar. Lembrou que ações isoladas não são efetivas à população e ainda agravarão a desigualdade social. “O retorno escalonado deveria ter testagem
e ampliação do número de salas. Mas há a preocupação com o abandono escolar. Principalmente, é uma questão de democracia. É preciso chamar os sindicatos para discutirem juntos”.

A professora Aida Batista, que há 20 anos atua na área da educação estadual, afirmou que a sua escola tem um caso confirmado e nove suspeitos. Se for confirmado mais um, já caracteriza surto. Ela relatou que não há testes para quem não tem sintomas. “Não vamos voltar ao antigo normal. A pandemia mostrou que temos que voltar com estrutura, com segurança. Se os pais não querem o retorno, a quem interessa forçar este retorno?”

A professora Rosele Cozza Bruno de Souza, da Escola Anísio Teixeira, de Porto Alegre, observa que, quando a representante da secretaria disse que não há receita fácil, é preciso entender que “também não dá para cozinhar sem receita nenhuma”. Segundo ela, a escola já apontou, há muito tempo, as crianças que estão na rua, mas o estado não fez nada. Foi preciso procurar o MP. “Nós tínhamos que pensar em como resgatar e como levar algum material até esses estudantes”.

Neiva Lazarotto, vice-diretora do Colégio Emílio Massot, disse que não é possível garantir os COES e questiona o papel da SEE. “Estamos nos expondo, atendendo em plantões, entregando cestas básicas que estão chegando muito tarde”. Ela apresentou uma pesquisa feita com 101 estudantes. Do total, 71 afirmaram que tiveram contato com gente do grupo de risco e 10% deles foram unânimes em dizer que não há condições de retorno. Neiva afirmou que o governo atual avalizou a EC 95 que congelou o orçamento da educação e da saúde por 20 anos. “Então não podem dizer que estão preocupados com a educação”, acrescentou.

Marcia Carvalho, do Conselho Estadual de Educação, afirmou que o posicionamento da entidade foi construído com outras entidades como a SEE, Undine, Famurs e Sinepe. No documento elaborado pelo Conselho, afirma-se que a situação hoje é de calamidade de saúde e que as orientações precisam ser dadas pelas autoridades sanitárias, que deverão indicar todos os protocolos. O conselho defende ainda o compartilhamento de um plano de ação pedagógico. “Teremos servidores em trabalho remoto e professores em atividade presencial. Então, o alerta do Conselho é de que as instituições precisam atender as orientações da Saúde, garantindo segurança sanitária, uma vez que a calamidade pública é de saúde”.

Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)