domingo, 24 novembro
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“Éramos ingênuos. A gente queria fazer uma revolução de fato”, disse a ativista política Ignez Maria Serpa Ramminger, comentando uma série de equívocos dos jovens que, “de corpo e alma”, enfrentaram a ditadura, em oitiva da Subcomissão para recuperar o conteúdo das denúncias de violações de direitos humanos durante a ditadura civil militar (ligada à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos), presidida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT). O encontro ocorreu na manhã desta quarta-feira (19), por vídeoconferência, e integra uma série de oitivas com personagens da época do regime militar.

Estudante de Medicina Veterinária na Ufrgs, Ignez participava do movimento estudantil e, sob codinome “Martinha”, exercia de forma clandestina a atuação no Partido Operário Comunista e na Vanguarda Armada Palmares, a Var-Palmares. “O POC não defendia a luta armada. E pela forma como a repressão era feita, eu cheguei à conclusão de que era preciso pegar em armas para derrotar aquele Regime. Quanta ingenuidade”, contou. Na Var-Palmares, Ignez diz ter recebido treinamento militar e formação de base, sendo convidada a chefiar um comando de operações da organização. “Fiz treinamentos na Lagoa dos Patos, onde muitos faziam caça esportiva, para não chamar a atenção dos tiros. Aprendi técnicas de sobrevivência na selva ensinadas por um militar, que ainda está vivo”, disse ela, ocultando, por lealdade, o nome do dissidente.

Conforme a ativista, logo o grupo participou da “expropriação do Banco do Brasil”, ação que fez com que a polícia civil gaúcha se socorresse do famoso torturador delegado Fleury, de São Paulo, para aprender a lidar com ações de luta armada. A investigação permitiu a descoberta de um sítio na Lomba do Pinheiro, onde o grupo de Ignez havia se reunido certa vez, e a prisão do caseiro do local, que nada tinha a ver com a organização. “Nossa conduta era nunca deixar a família de um companheiro desamparada. Então, o Gustavo (integrante da direção nacional da Var-Palmares) foi conversar com a esposa do caseiro e ficou de retornar para trazer dinheiro. Ela avisou a polícia e ele foi preso”, detalhou, comentando o amadorismo do grupo ao mandar um dirigente nacional fazer aquele serviço. Ignez contou que Gustavo demorou a entregar informações relevantes à Polícia. Só após muita tortura, ele teria dado o endereço onde morara por fim, mas ciente de que o “aparelho” já havia sido esvaziado. Porém, o grupo cometera mais um erro apontado por Martinha: deixou o lixo para trás. “A polícia revirou o saco e encontrou uma nota de garagem com a placa parcial de um Corcel branco que eu havia comprado para a organização” em meu nome verdadeiro. Erros e mais erros! Para vocês verem como não tínhamos muita noção das coisas naquela época”, comentou, lembrando o episódio que culminou em sua prisão.

Ignez fora presa num domingo, quando cometera o que considera mais um equívoco: voltou para casa. “Eu morava com minha mãe, estudava, tinha uma vida normal. Ela não desconfiava que eu tinha envolvimento com a Var-Palmares. Voltei para contar tudo e dizer que precisaria fugir por um tempo, por conta da prisão do Gustavo. Acabei ficando horas ali e fui presa”, explicou. Na mesma noite, segundo ela, iniciaram-se as torturas, primeiro psicológicas; depois, físicas. Ao chegar ao Dops, que funcionava no atual Palácio da Polícia, ela viu o companheiro Gustavo bastante machucado e fingiu não o reconhecer, o que ele também fez. “Levei choque, me colocaram no pau de arara… Tortura é a coisa mais horrível. Eu não desejo isso para ninguém. Tu tens de dar alguma informação para parar de apanhar em algum momento. Mas o pior é ver alguém de quem a gente gosta ser torturado. Eu amava o Gustavo”, confidenciou.

Num dos piores episódios, Ignez conta que policiais colocaram uma faca no pescoço dela e a exibiram a Gustavo dizendo que “era a última vez que ele a veria com vida”. Depois, rodaram com ela em uma Kombi pela cidade. “O pavor que eu senti foi enorme. Ali eu achei que ia morrer mesmo. Eles chegaram a discutir sobre o que fariam comigo”, lamentou.

A ativista rememora ter ficado presa entre o Dops e o presídio Madre Pelletier e, lá ter recebido a visita da primeira Comissão de Direitos Humanos da Alergs, que fora verificar as condições insalubres das celas. Somente em 1971, ela teve a prisão preventiva relaxada, progredindo para liberdade vigiada. O julgamento ocorreu apenas em 1973. “Eu já tinha uma filha de 20 dias de vida e temia voltar para a prisão. Peguei um ano de pena, o que já havia sido cumprido na preventiva, mas eles apelaram. Fiquei respondendo inquérito até a anistia”, narrou.

Apesar da atuação da luta armada, Ignez se diz defensora ferrenha da democracia. “Eu defendo e acredito nas vias democráticas, mas ainda defendo a luta armada, se necessário for. Gurizada, se precisarem fazer a luta como nós tivemos de fazer, só não cometam os mesmos erros! Éramos muito ingênuos na época, demos a vida pelo que acreditávamos”, concluiu.

Na próxima semana, a Subcomissão deverá ouvir Raul Pont, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Porto Alegre. Já foram ouvidos o ex-deputado Raul Carrion (PCdoB); e o ex-deputado do MDB, Antenor Ferrari, que presidiu a primeira Comissão de Direitos Humanos do Legislativo e denunciou o sumiço dos arquivos e documentos referentes às ações do órgão técnico.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)

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