domingo, 24 novembro
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O Grupo de Trabalho do Leite, vinculado à Comissão da Agricultura da Assembleia Legialtiva, realizou reunião na tarde desta sexta-feira (7), sobre a proposta da reforma tributária estadual e os seus impactos na Cadeia Produtiva do Leite. Coordenada pelo deputado Zé Nunes (PT), a reunião contou com a participação das entidades ligadas ao setor leiteiro e agrário do RS, além de uma apresentação técnica sobre as mudanças propostas pelo governador Eduardo Leite, realizada pela economista Aniger de Oliveira.

Zé Nunes, que coordena o GT, abriu a reunião afirmando que o projeto de reforma tributária ainda não foi apresentado e protocolado na ALERGS, porém a proposta foi divulgada pelo Governo do RS por meio de cartilhas com informações, e é a partir destas informações que são realizados estudos de impactos. “Precisamos realizar um conjunto de debates com os diferentes setores envolvidos nesta proposta. O ideal seria que fosse feito um amplo estudo, pois o RS tem 50% do seu PIB voltado ao setor primário. A agricultura familiar é muito inserida no mercado tanto para o consumo interno quanto para exportação, e a cadeia produtiva do leite está inserida dentro deste conceito”. Ele lembrou ainda que o setor do leite vai ser um dos mais afetados com o projeto.

A economista Aniger revelou que a proposta vem meses antes de a carga tributária gaúcha voltar ao normal, ou seja, sem o aumento de impostos e com uma redução na arrecadação de R$ 2,8 bilhões. “A proposta do governo resulta em um aumento da arrecadação e aumento da carga tributária de forma definitiva. No ICMS, o aumento será em 2021 de R$1,61 bilhões, em 2022 de R$2,1 bilhões e em 2023 de R$2,2 bilhões. Já no IPVA, o aumento, a partir de 2021, é de R$744 milhões. E, no ITCD os aumentos vão de R$93 milhões em 2021 até R$134 milhões em 2022” relatou.

Ela também apresentou a forma com que a proposta do governo Leite deve chegar a estes números:

– o gás de cozinha passa de uma alíquota de 12% para 17% já em 2021;
– serão extintas isenções dos hortifrutigranjeiros, leites pasteurizados (tipos A, B e C), ovos, maçã e peras e pão francês (e massa congelada para seu preparo), flores naturais e preservativos, que passam a ser taxados em 2021 com alíquota de 7%, 2022 com alíquota de 12% chegando a 2023 com a alíquota de 17%;
– haverá aumento da carga tributária, com a extinção da redução da base de cálculo, a cesta básica de alimentos, a cesta básica de medicamentos, erva mate e carne e demais produtos comestíveis de aves e suínos simplesmente temperados. Estes produtos passam de uma alíquota efetiva atual de 7% para 12% em 2021 e de 17% a partir de 2022;
– aumento da alíquota do vinho e da cachaça, da alíquota básica (em 2021 de 17%) para 25%. No caso do vinho será aplicado benefício fiscal para a indústria local (igual ao benefício concedido por SC);
– aumento de alíquota dos refrigerantes, dos atuais 20% para 25%.

As entidades manifestaram-se contrárias ao projeto de reforma tributária de Eduardo Leite. Com isso, ao final da reunião foi proposta uma carta que será entregue ao governador, ao presidente da Assembleia Legislativa e todas as comissões da AL que tratam do tema.

Também estiveram presentes o deputado Jeferson Fernandes e representantes da CONAB, da Gadolando e da Farsul.

Manifestações das entidades:

Eugênio Zanetti, Vice-Presidente da FETAG: é importante este debate para tentar frear esse projeto do Leite. A gente entende que precisa de reforma, mas colocar toda a carga em cima do setor produtivo e do leite é muito ruim. Analisamos a proposta e queremos deixar a nossa indignação quanto aos produtos que seriam isentos e agora vão ser taxados. O leite é um, temos o vinho também, com uma concorrência desleal com os importados. Este projeto vai prejudicar principalmente a população de baixa renda, que será impactada.

Darlan Palharini, secretário Executivo do SINDILAT: no tocante ao setor lácteo, fizemos um exercício para entender de forma mais didática as alíquotas. O leite em pó, na prática comercial, não ficaria sete centavos por litro para o produtor. Nos tira muita competitividade para fazer frente a outros estados.

Gervásio, presidente da Unicafes: conhecemos a dificuldade que o RS têm na atividade leiteira, estamos próximos ao Mercosul, quando vem leite de fora, somos os primeiros atingidos. Temos 60% da nossa produção que é vendida no mercado externo e com dificuldade de custo e logística. Então qualquer tributação em cima na atividade leiteira já é difícil. Se houver tributação na atividade leiteira gaúcha, vamos reduzir a atividade. A reforma vem taxar fortemente a cesta básica, então ela não vem equalizar, mas sobrecarregar quem ganha menos. Vamos ter um impacto muito forte se essa reforma passar. Quem ganha mais tem que contribuir mais e não quem ganha menos pagar mais.

Rui Valença, coordenação Estadual da Fetraf: Leite está tentando compensar a perda em cima dos setores mais fracos que são os hortifrutigranjeiros, o vinho, o leite. Ou seja, é uma questão de escolha, de jogar o custo do Estado em cima dos trabalhadores e dos pequenos agricultores. Além disso, sabemos que quem compra cesta básica são as pessoas mais humildes. O governado Eduardo Leite, mais uma vez, vira as costas para a agricultura familiar. Ainda estamos vivendo os reflexos de uma estiagem, vendaval.

Osmar Redin, secretário Executivo da APIL: a reforma tributária é necessária, temos que simplificar o que eleva custos das empresas. As empresas, sejam elas pequenas ou grandes, têm que pagar por um contador tributário para entender tudo isso. O que nos impressiona é o período proposto, que achamos inadequado e com a urgência em que o governador quer fazer passar esse projeto. Outra questão que nos preocupa é o fundo Desenvolve RS, que caem num caixa comum e não sabemos como são tratados.

Lari, coordenação Estadual do MPA: Leite está fazendo de novo com que os trabalhadores mais pobres sejam castigados. Imagina cobrar imposto de um carro velho, que quase não tem como reformar a lataria. A questão da instabilidade do preço do leite desanima, desconstitui as famílias. Outra instabilidade é quanto à mão-de-obra, e também os insumos, que se tornam muito caros para produzir o leite. Estamos num período de empobrecimento muito significativo. O que Eduardo Leite reconheceu ou fez durante o período da estiagem? Depois com a enchente? Outra questão ainda é a pandemia. Os agricultores, principalmente as pessoas de mais idade, estão ficando doentes e com medo do que vai acontecer amanhã. O objetivo aqui é de novo prejudicar quem é mais pobre.

Mario Nascimento, FAMURS: Estamos muito preocupados com esse assunto, temos uma equipe técnica que vai avaliar toda a proposta e fazer um parecer sobre esse assunto. É preciso fazer uma reforma, mas que não onere a produção, aqueles que ganham menos, mas sim, que a arrecadação se baseie em quem ganha mais. É preciso haver uma redistribuição. Na questão do leite e da cesta básica, somos contrários a essa proposta. Compreendemos que ao chegar a proposta oficial, ela deve ser avaliada e debatida em conjunto com a Assembleia Legislativa, municípios e os setores envolvidos.

Ernesto Krug, da Associação Gaúcha de Laticinistas, na reunião representando a Languiru: achamos que é bastante inoportuno encaminhar essa proposta agora. A reforma do governo federal vai modificar todas as cadeias produtivas. Eu chamaria essa proposta de tributação do agronegócio gaúcho. Veja, cesta básicas em todos os países desenvolvidos diminuem ou isentam de tributação. Os lácteos terão uma diferença quanto aos demais estados e com isso vamos perder competitividade. Isso significa elevar custos do produtor. Em vez de tirar tributo, ele está elevando tributo. Simplificar é fundamental, mas tributar nós não queremos. Entendemos que o leite é um produto social.

Angela Antunes, SINTERGS: Estamos realizando um estudo junto ao DIEESE para entender os impactos desta reforma. Entendemos que essa proposta atinge, principalmente, a agricultura familiar. O aumento é extremamente negativo para a população, principalmente a de baixa renda. Neste momento de pandemia fazer essa proposta é injusta.

Carta ao governador RS, Eduardo Leite:

A produção de leite não suporta mais custos e tributos
Os diversos segmentos ligados à cadeia leiteira do Rio Grande do Sul, expressam, por meio desse documento, preocupação com a proposta de reforma tributária anunciada pelo Governo do Estado, que, na prática, vai resultar em aumento do ICMS dos produtos comercializados no estado, o que vai impactar vários setores, entre eles, os produtos lácteos, da produção ao consumo.
A produção leiteira é uma atividade de alta relevância social e econômica, está distribuída por todas as regiões, como apontou o Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite do Rio Grande do Sul 2019, produzido pela Emater, onde mostrou que a produção de leite está presente de alguma forma em 152.489 propriedades rurais no estado, em 494 municípios. Sendo que, 50.664 produtores vendem leite cru para indústrias, cooperativas e queijarias, ou possuem agroindústria própria, ou seja, inseridos de alguma forma ao mercado. Destes 50.664 produtores, 97,5% são enquadrados como agricultores familiares, com área média de 18,3 hectares.
O relatório mostra que são mais de 1,1 milhão de vacas leiteiras, que produzem 4,27 bilhões de litros de leite por ano, com Valor Bruto da Produção (VBP) na ordem de R$ 4,90 bilhões ao ano.
Devido a diversos fatores, a cadeia leiteira, perdeu cerca de 35 mil produtores entre 2015 a 2019. As crises sucessivas levam ao desestimulo e abandono da atividade, que tende à concentração da atividade. O Rio Grande do Sul, que está entre os maiores estados produtores de leite, está deixando muito a desejar quando se compara as políticas públicas para o leite e agricultura familiar nos três estados do Sul do Brasil. Verifica-se que o Rio Grande do Sul está paralisado, sem estratégia para o desenvolvimento da produção de leite.
Neste contexto, uma reforma tributária que onere a produção e o consumo, certamente, vai prejudicar o setor mais ainda, que já sofreu nos últimos anos com a concorrência dos lácteos do Uruguai e com paralização do consumo pela crise econômica.
Preocupa-nos o aumento de ICMS para os produtos da cesta básica, produtos que estão na base alimentar da população.
Da mesma forma, preocupa-nos o aumento do imposto para os insumos agropecuários, o que vai repercutir nos custos de produção e nos preços nos produtos ao consumidor final.
Preocupa-nos que os produtos lácteos pagarão mais ICMS, o que vai gerar repercussão em cascata. Teremos produção com custo maior e a população pagando mais pelo leite e produtos como requeijão, iogurte, manteiga etc. Tenderá a ter como consequência a retração do consumo, que já está afetado pela crise econômica e o desemprego. O trabalhador entre o feijão e arroz ao requeijão e o iogurte, optará pelos primeiros.
Avaliamos que as medidas propostas pelo Governo do Estado apontam para tirar competitividade do setor que já sofre com a concorrência de produtos do Mercosul e estarão expostos a concorrência com produtos europeus devido ao acordo assinado.
Considerando o exposto, da importância do setor e dos riscos associados a reforma tributária anunciada pelo governador RS, Eduardo Leite, é preciso alertar o governo e a sociedade que a produção de leite não suporta mais custos e tributos, que este setor, de alta relevância social e econômica, pode ter a sua competitividade afetada e até ser inviabilizado. Esse assunto exige profundo debate, reflexão e responsabilidade nas decisões. Não é aceitável em nome de viabilizar uma gestão de governo, correr o risco de sufocar uma atividade presente em quase todos os municípios gaúchos e fundamental para a renda de milhares de famílias.
Reunião do Grupo de Trabalho do Leite – Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, 07 de agosto de 2020.

Texto: Raquel Wunsch (MTE 12867)

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