Ligações telefônicas que começam cedo, às 7h, e se estendem até 21h, somando algumas dezenas durante o dia, causando embaraço e constrangimento em quem as recebe, em plena época de pandemia da Covid-19. Esse problema que afeta muitos gaúchos e gaúchas foi tratado durante a reunião ordinária da Comissão Mista Permanente de Defesa do Consumidor e Participação Legislativa Popular da Assembleia Legislativa desta semana. A pauta foi proposta pelo deputado Valdeci Oliveira, integrante do colegiado, a partir dos inúmeros relatos que lhe chegam diariamente de pessoas que enxergam nesta prática um verdadeiro assédio moral proporcionado pelos bancos e instituições financeiras. “Não se trata de advogar em favor dos maus pagadores, mas de discutir os métodos e práticas utilizados pelos bancos para cobrar dívidas. Estamos em uma conjuntura de crise na saúde, na renda, no emprego, onde a população tem um conjunto de preocupações que acabam ampliadas por conta desta prática que resulta em estresse, em pressão psicológica e situação vexaminosa”, protestou Valdeci logo na abertura dos trabalhos.
Além dos deputados que integram a Comissão, participaram da discussão representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público, Defensoria Pública, Procons e da Federação dos Bancos. “Não é possível que alguém, por estar dois ou três dias com uma prestação em atraso, principalmente quando se trata de veículos, seja cobrado o dia inteiro todos os dias, incluindo familiares seus”, completou o parlamentar, que propôs a criação de mecanismos, além da observação da legislação vigente, que reduzam a prática que ele denomina de “insistência exagerada, inconveniente”.
Para Gustavo Munhoz, do Ministério Público, a ideia de trazer o tema para a Comissão foi muito oportuna, pois nessa questão há muita omissão dos bancos, que alegam não estar ao seu alcance reprimir a conduta dos escritórios de cobrança. “Eles têm de fiscalizar as empresas contratadas, ter uma ação mais efetiva”, afirma, destacando que esse tipo de postura das empresas muitas vezes resulta na inviabilização de acordos entre credor e devedor.
Segundo Márcia Moro, do Procon de Santa Maria e presidente da Associação Gaúcha de Procons Municipais, a responsabilidade é dos bancos, “de quem credencia, seja escritório de cobrança ou agente financeiro”, assegura, lembrando ainda que existe uma outra prática condenável: a oferta, ou vazamento, de dados de correntistas. “Estão disponibilizando informações, principalmente de aposentados. A autorregulação não está funcionando. Havendo uma lei estadual ela terá o apoio amplo e irrestrito dos Procons”, vaticinou.
Na opinião de Cláudio Ferreira, do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, se nada for feito, a tendência é de que a situação fique ainda mais aguda “com o agravamento da situação econômica” que irá aumentar a inadimplência. “Só restringir o horário das ligações não é suficiente. É preciso construir uma legislação em conjunto com a Assembleia Legislativa”, avalia.
Entre os encaminhamentos e propostas que serão avaliadas como sugestões tanto para a formatação de uma legislação como para análises da Febraban – que se comprometeu em estudar a questão -, estão a redução do número de ligações diárias, a ampliação do período para o início da cobrança, redução dos horários para contato e que este seja de segunda a sexta-feira (excluindo o sábado, hoje permitido). “Uma coisa é alguém ser inadimplente contumaz, outra é estar sempre em dia e, por conta de uma conjuntura como a que estamos vivendo, atrasar algum pagamento por um pequeno período e ser tratado da mesma forma”, ponderou Valdeci.
O diretor de autorregulação da Febraban, Amaury Oliva, assegurou que a instituição tomará providências sobre as queixas apresentadas. “A Lei de Defesa do Consumidor assegura a proteção às pessoas. Nós não compactuamos com práticas abusivas. Vamos levar os relatos apresentados aqui aos nossos associados”, afirmou ele.
Texto: Marcelo Antunes (MTE 8.511)