Além da preocupação com a apropriação de mais de R$ 2 bilhões do fundo de previdência, proposta pelo governo do Estado no PLC 148/2020, que trata do Regime de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Estaduais (RPC), a retirada do regime de urgência foi unanimidade entre os representantes das entidades que participaram da audiência pública realizada pelas comissões de Segurança e Serviços Públicos (CSSP) e de Finanças da Assembleia Legislativa, na tarde desta sexta-feira (31). O pedido foi feito aos representantes do governo.
O líder da bancada do PT, deputado Luiz Fernando Mainardi, observou que o problema da previdência dos servidores é histórico e que a retirada do regime de urgência é fundamental para que o projeto seja debatido à altura de sua importância. “Não sei quem começou, mas dizem que foi no final do século XIX que começaram a colocar brigadianos inválidos na folha do estado. Então não podemos acabar com a previdência, que tem mais de 100 anos. em 30 dias”. O deputado também observou que se há déficit, a culpa não pode recair sobre os servidores e o governo não pode se apropriar de recursos do Fundo que partem de R$ 1,8 bilhão e podem chegar a R$ 2,5 bilhões se considerado até o final deste governo, o que é uma irresponsabilidade, já que aprofundará o problema previdenciário e onerará os futuros governos e a sociedade gaúcha. “A culpa é de uma irresponsabilidade histórica de não termos criado previdência. Mas, em 2011, no governo Tarso Genro, foi criado um Regime Próprio e o Fundoprev, do qual o governo agora pretende se apropriar dos recursos”.
Integrante da Comissão de Finanças e proponente da Audiência Pública, o deputado Pepe Vargas, afirmou que “não estão em jogo direitos de aposentadoria dos servidores, mas a saúde financeira do fundo de previdência que, consequentemente, o Estado terá que cumprir com suas obrigações e tirar dinheiro do caixa para repor no fundo no futuro”. Segundo o deputado, o governo coloca de forma equivocada a possibilidade de utilizar o fundo previdenciário para fazer fundo de caixa e o faz de forma açodada, pois deixou de consultar as entidades que representam as categorias dos servidores.
Outro argumento levantado por Pepe foi que a reformulação do fundo exige e análise de leis estaduais e federais, da Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto uma leitura sistemática desta natureza não poderia ser feita de forma apressada. “Os relatos nesta audiência nos fazem compreender que alguns ritos não foram cumpridos. Para um governo que se diz do diálogo é no mínimo contraditório encaminhar um projeto dessa natureza sem ouvir pelo menos o Conselho de Administração do IPE Prev. “Se a matéria tratasse apenas do Benefício Especial, seria uma matéria mais simples, mas junto com essa proposta do Benefício Especial veio nova proposta de reestruturação dos fundos e a apropriação dos recursos do Fundoprev. Dá para retirar o regime de urgência, votar o Benefício Especial e discutir melhor a reestruturação dos fundos”, propôs.
O Deputado Pepe destacou que, a partir de 2011, no governo Tarso Genro, quando foi feita a segregação, os servidores que entraram passaram a contribuir no regime capitalizado. A partir daí, ao longo do tempo, o deficit da previdência começou a diminuir. A proposta do governador Eduardo Leite é pegar imediatamente no mínimo R$ 1,8 bilhão do Fundo para usar no seu fluxo de caixa o que, segundo os analistas, deve gerar um problema maior no futuro.
O presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos (CSSP), deputado Jeferson Fernandes, disse que se o governo assentisse com a retirada do regime de urgência, contemplaria o principal pedido de todos. O parlamentar argumentou que outra preocupação de todos é com os recursos que foram depositados a partir de 2011 e que se forem colocados no caixa único, retira o propósito do fundo e ainda coloca em risco a sociedade gaúcha, que no futuro será prejudicada, pois o Estado terá que arcar com a aposentadoria destes servidores. “Ninguém está contestando a importância da previdência complementar, mas sim a forma como isso será feito”, disse.
O secretário de Estado da Fazenda, Marco Aurélio Santos Cardoso, e o presidente do Ipergs, José Guilherme Kliemann, participaram da audiência. Cardoso afirmou que não há alteração nos números atuariais do Fundoprev. Segundo o secretário, a transferência do dinheiro do Fundoprev, criado no governo de Tarso Genro, para o fundo financeiro que paga as aposentadorias é uma forma de compensar a perda de receita com a redução das contribuições pelos servidores que migrarem para o Regime de Previdência Complementar, que limita as aposentadorias ao teto do INSS.
Entidades contestam secretário da fazenda
A posição da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado do RGS (FESSERGS) é de que o projeto não mexe somente com 17 ou 21 mil servidores, mas vai mexer com mais de 300 mil e, se somados os familiares dos servidores, chegará a um milhão de pessoas. “Se as medidas forem implementadas sem discussão, é muito perigoso. Os servidores não podem viver nesta indefinição e falta de segurança total que vivemos hoje. Muitas categorias passaram a contribuir com o que não contribuíam antes”, afirmou o presidente da entidade Sérgio Arnoud, acrescentando que os servidores estão há quase seis anos sem reajuste salarial e com salários parcelados.
O mesmo entendimento tem os professores. O vice-presidente do Cpers Sindicato, Edson Garcia, afirmou que a entidade não foi consultada sobre o impacto atuarial que o PLC trará. “Não passou pelo Conselho de Administração do IPE Prev. Entendemos que não foi feito o diálogo suficiente nem foi apresentada a diminuição de arrecadação, o que pode gerar cobrança extraordinária. Também não foi apresentado o que será feito com R$ 1,8 bilhão, que será retirado”, disparou.
O governo Leite, já no ano passado, colocou em lei e garantiu resgatar o Benefício Especial, que é um direito dos servidores. Segundo o presidente do Conselho de Administração do IPE Prev, André Fernando Carvalho, a restruturação dos fundos trará efeitos financeiros e atuariais. Mesma posição foi defendida pelo presidente do Conselho Fiscal do IPE Prev, Rodrigo de Castro Silveira, que apontou alguns problemas. Entre eles, o valor de R$ 1,8 que pelos cálculos do conselho não fecham com o que está sendo proposto pelo governo. “Também falam que o resgate destes valores pode gerar uma série de implicações aos fundos. Outro risco é a inviabilidade do fundo, pois 50% do capital será retirado. Entendemos que o processo deve ser melhor discutido”.
Um dos reflexos do projeto do Executivo será a descapitalização do Fundoprev, segundo o Sindicato de Auditores Externos do Tribunal de Contas do Estado. “Duas coisas me chama a atenção: o novo cálculo atuarial, concluído ontem, ainda precisa ser apropriado pelos deputados: o ganho líquido, mesmo que haja a transferência de R$ 1,8 bilhão para o caixa. Isso não resolve o futuro. Entendemos que temos que discutir com mais profundidade”, afirmou o presidente do CEAPE, Josué Martins.
Conforme o presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública do RS e Vice-Presidente Administrativo da AJURIS, desembargador Cláudio Martinewsky, o Benefício Especial é compromisso, mas decorre de ação indireta de inconstitucionalidade impetrada pela entidade e de termos conseguido colocar este tema na Reforma da Previdência, e não uma ação do governo. “Em nenhum momento, referimos reestruturação de fundo. Nos outros entes que instituíram o Benefício Especial não houve necessidade de reestruturação dos fundos. A questão central é a reestruturação do Fundoprev, sem descuidar da segurança jurídica. Em um tempo de pandemia é muito difícil buscar o diálogo”. “Nesta audiência estamos tomando conhecimento do Cálculo Atuarial encaminhado ao Ministério, passando por cima do Conselho. O que sobra de cortesia nas palavras deste governo, falta nas atitudes”, disparou Filipe Leiria, também da União Gaúcha.