“Se eu não contar, não haverá registro da minha história”, diz Antenor Ferrari em Subcomissão que resgata arquivos perdidos da ditadura

“Se eu não contar, não haverá registro da minha história”, diz Antenor Ferrari em Subcomissão que resgata arquivos perdidos da ditadura

Ex-presidente da 1ª Comissão de Direitos Humanos do RS falou hoje a deputados do Legislativo

Antenor Ferrari
Foto reprodução

A Subcomissão para recuperar o conteúdo de documentos sobre denúncias de violações contra pessoas presas, perseguidas e desaparecidas/os políticos, durante a ditadura civil-militar, ligada à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo (CCDH), teve sua primeira audiência na manhã desta quarta-feira (29/07), com a participação do ex-deputado do MDB, Antenor Ferrari, criador e presidente da hoje chamada CCDH, antes conhecida como Comissão de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Segurança Social e Defesa do Consumidor. A criação da Subcomissão, por iniciativa do deputado Jeferson Fernandes, que será o relator, atende exatamente à alerta feito por Ferrari, durante reunião da Comissão neste ano, de que centenas de importantes documentos, gravações e registros, com valor histórico, que dão conta das atividades da primeira Comissão de Direitos Humanos do país, instaurada no período da ditadura militar, teriam desaparecido. “A Comissão foi inovação no parlamento gaúcho: tratar da alma, do sentimento, do coração das pessoas”, disse o ex-presidente.

Antenor, que participou do encontro por vídeo-conferência, dispôs-se a narrar acontecimentos e práticas do órgão técnico á época do regime de exceção como forma de apoiar o resgate histórico. “Se eu não contar, não há nenhum registro da minha história”, reforçou o ex-deputado, cuja trajetória se assemelha aos atendimentos realizados pela Comissão à época. Originário da pequena agricultura, bancário, ele foi perseguido pelo Regime inicialmente por ser a favor da anistia aos presos políticos e por ter participado de um Congresso da União Nacional dos Estudantes, que culminou na prisão de toda a delegação, inclusive a de Antenor, por 3 dias. “Depois disso, fiquei 3 meses indo todos os dias à Delegacia Regional de Polícia para não ser ouvido por ninguém. E sequer há registro da minha prisão”, rememorou.

Ferrari também lembrou as agruras do período ditatorial, que considerou “ainda mais funesto para a população do que mesmo para os exilados/cassados, “porque afetava o conjunto das pessoas que se atreviam a pensar livremente”. O ex-deputado narrou ter observado que adversários políticos atuavam como censores uns dos outros; escolas denunciavam alunos; professores eram perseguidos, etc. “Havia toda uma conspiração do Poder constituído contra todos aqueles que pensavam diferente”, resumiu. E para representar estas pessoas oprimidas, ele teria dedicado o trabalho de seu primeiro mandato, em 1978.

Sobre a atuação na então Comissão de Cidadania, Meio Ambiente,,,,, o ex-presidente lembrou que à época todas as instituições que legitimavam a defesa de direitos humanos podiam se credenciar e era permitido emitirem pareceres sobre as matérias, mas não votá-las. Segundo ele, o órgão técnico atendia todos que tinham suas liberdades tolhidas, como sindicalistas, jornalistas, presos políticos, etc, inclusive de países do Mercosul. A imprensa, contou ele, era o meio de comunicação com a população. “Fazíamos gravações com as vítimas em fitas k-7, centenas delas. Então mandávamos para publicar. Geralmente, ao vivo, para evitar a censura. Tínhamos credibilidade para dar o furo”, detalhou, lembrando que este material está desaparecido.

Algumas iniciativas da CCDH à época, narradas por Antenor Ferrari, como a pesquisa sobre o impacto da tributação de impostos sobre a população de baixa renda; e  o debate sobre a liberação desenfreada de agrotóxicos pelo governo militar são atuais, conforme observou o deputado Jeferson, lembrando que a proposta de reforma tributária, apresentada pelo governador Eduardo Leite sobrecarrega exatamente os mais pobres. “E agora estamos vendo em nível federal o governo Bolsonaro retomar a liberação de agrotóxicos, muitos deles proibidos nos demais países”, completou o petista. Para Ferrari, “o tempo provou que não foi o aumento de agrotóxicos que otimizou a agricultura”, assinalou. Além disso, lamentou que estes venenos “vão parar na mesa dos brasileiros”. “São crimes que se comete contra a sociedade. Não se discute com ela sobre os efeitos cumulativos dos agrotóxicos, teratogênicos, as doenças associadas”.

Por fim, Jeferson um dia 31 de março, na década de 1970,  aniversário do que os militares chamavam de “Revolução”, no qual o ex-deputado foi orador do MDB em solenidade no plenário da Assembleia Legislativa, quando Ferrari leu documento da Anistia Internacional sobre os desaparecidos do Regime e pediu explicações aos militares presentes, com as galerias lotadas, sobre onde estariam um a um os relacionados. “Houve silêncio total nas galerias da Assembleia, aquele silêncio que a gente ouve. Aos poucos, não tinha mais ninguém lá; até os da Mesa diretora saíram; e todos os meus colegas apavorados”, relatou o emedebista, que complementou: me aconselharam a esperar algumas horas antes de sair do prédio por medo das represálias. Mas, no fim, não aconteceu nada”, concluiu.

Também participou da audiência a deputada Sofia Cavedon. A Subcomissão terá 4 meses para desenvolver relatório sobre o tema.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)