As comissões de Cidadania e Direitos Humanos e de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia vão encaminhar notificação às prefeituras de Gravataí, Nova Hartz e Alvorada, assim como Porto Alegre, para apurar denúncias de rescisão de contratos de estágios de estudantes e jovens aprendizes durante a pandemia, contrariando nota técnica do Ministério Público do Trabalho que orienta pela manutenção desses vínculos. O assunto foi debatido pelas duas comissões em videoconferência hoje (22) com estudantes, agentes políticos e públicos.
O debate foi solicitado pelas deputadas Luciana Genro (PSOL), Sofia Cavedon (PT) e Jeferson Fernandes (PT), diante de denúncias de rompimento dos contratos de diversos estagiários em prefeituras gaúchas desde o início da pandemia. Depois de ouvir estudantes vinculados aos contratos de estágio na prefeitura de Gravataí e também a vereadora Rosa Leães, que relatou a situação ocorrida também na prefeitura de Nova Hartz, o encaminhamento foi no sentido de notificar os gestores públicos diante da Nota Técnica 05/20 do Ministério Público do Trabalho, que orienta pela manutenção dos contratos de estágio durante a pandemia. A prefeitura de Porto Alegre, que no início da pandemia adotou a suspensão dos contratos, não encaminhou representante à audiência pública e o governo do Estado, através da Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão, orientou para a manutenção dos 3.704 contratos vigentes no RS.
Conforme explicou a deputada Luciana Genro, a Nota Técnica do MPT vai auxiliar a notificação a ser encaminhada às prefeituras, juntamente com outros documentos que registram os procedimentos em Gravataí, onde os contratos foram suspensos e logo em seguida os 300 estagiários foram demitidos. Há denúncia de que a prefeitura de Gravataí contratou, nesse mesmo período, cargos em comissão com valores superiores aos destinados aos estagiários. E, ainda, que a prefeitura estaria encaminhando novo processo de contratação de estagiários. O grupo suspenso e depois demitido não recebeu os vencimentos até esta data, mesmo com orientação do Ministério Público para a efetivação dos pagamentos.
A deputada Sofia Cavedon (PT) orientou pelo questionamento também à prefeitura de Porto Alegre, que no início da pandemia suspendeu 30% dos contratos de estágio, atingindo em especial grupo de jovens que atuam em monitoria de escolas de educação infantil, com atendimento para crianças especiais, alertou a parlamentar. Disse que se trata de política na contramão da realidade, quando o governo federal dispensa recursos para renda mínima a 30 milhões de brasileiros e a prefeitura da Capital retira o meio de sobrevivência de jovens estudantes. Presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos, Jeferson Fernandes observou que antes da exoneração muitos estagiários estavam com os vencimentos em atraso, o que exige apuração das autoridades públicas.
Arbitrariedades em Gravataí
O estudante de geografia da UFRGS Bruno Gasparetto, estagiário em Gravataí, relatou a situação enfrentada pelos 300 jovens que tiveram seus contratos suspensos no início da pandemia pelo prefeito Marco Alba. Conforme o decreto do prefeito, inicialmente a suspensão dos contratos dos estagiários foi pelo prazo de quatro meses, mas logo em seguida o grupo foi demitido. Durante dois meses os jovens tentaram contato com o prefeito, sem sucesso. Promoveram uma mobilização pública, protocolaram abaixo assinado com 1.200 assinaturas na Câmara de Vereadores e na Prefeitura e só assim conseguiram a atenção do mandatário, que aproveitou para comunicar as demissões. Sem diálogo, o grupo não teve aviso documental, apenas o rompimento unilateral dos contratos. Contrariando as restrições financeiras impostas pela pandemia, a prefeitura teria contratado diversos cargos em comissão nesse mesmo período, com salários superiores aos dos estagiários e superando gastos anteriores à crise sanitária.
A estudante da ULBRA, Samara Ramos, relatou a agonia sofrida desde o início da pandemia, uma vez que seu contrato venceria em julho mas foi rompido e não recebeu os vencimentos pelo período de quatro meses. Cumpria o isolamento social e tomou conhecimento através do decreto municipal. A visibilidade da luta dos jovens repercutiu no Diário Gaúcho e, logo em seguida, todos foram demitidos, o que eles contabilizam como represália do prefeito. Samara registrou os contatos com a prefeitura, que inicialmente assegurou que o período parado seria adicionado ao final do contrato, posteriormente todos cancelados. E tem prova documental de que outro processo seletivo seria realizado, para novas contratações. No CIEE informaram que a suspensão teria vigor apenas na pandemia. Como acontece na UFRGS, também os estudantes universitários de Gravataí estão recebendo auxílios de colegas para sobreviver na pandemia.
Outra informação veio da estudante Amanda, de que o grupo não recebeu seus vencimentos desde março e nem os valores referentes a férias. Os contratos têm vigência de dois anos e foram cancelados em 1º de julho, e no CIEE foram informados de que estes quatro meses estavam perdidos para efeito de tempo de cumprimento do contrato. Outra dificuldade surge da exigência pela prefeitura, ao final do estágio, da entrega do relatório, para fins de recebimento de valores agregados, o que não é possível diante do fechamento das universidades e da impossibilidade de conseguir as assinaturas necessárias. Ela também referiu as contratações de cargos em comissão, em torno de 17 num só dia, com alguns casos de exoneração e contratação com salário superior, informações que estão disponíveis no Portal da Transparência de Gravataí. Os salários dos estagiários variam de R$ 400 a R$ 1.500.
A deputada Sofia Cavedon alertou que a coordenadoria do Ministério Público que acompanhou esta situação informou que as questões tinham sido resolvidas, e sugeriu recurso ao MP recolocando o assunto, tendo em vista as denúncias encaminhadas pelos jovens. No Tribunal de Contas o procurador Geraldo Da Camino está apurando a situação.
A situação no município de Nova Hartz, no Vale do Sinos, não é muito diferente de Gravataí, detalhou a vereadora Rosa Leães. A diferença está no silêncio imposto aos que se atrevem a protestar, resultado da falta de diálogo da administração que não acontece nem mesmo com os vereadores. Lá, o processo teve a mesma dinâmica de Gravataí, os 100 estagiários foram convocados para assinar documento em que renunciavam ao salário no período dos contratos, o que lhes garantiria o retorno mais tarde. Ela fez pedido de informações através da Câmara de Vereadores, uma vez que os contratos atingiam duas escolas de educação infantil ameaçadas de fechamento, mas não obteve resposta e então encaminhou dossiê para a deputada Sofia Cavedon que, por sua vez, recorreu ao Ministério Público. Rosa manifesta preocupação com o contingente de estagiárias, algumas com filhos, que dependem desses recursos para sua manutenção.
Pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, o secretário adjunto de Gestão, Marcelo Soares Alves, informou que no início da pandemia o governador Eduardo Leite recomendou pela manutenção dos 3.704 contratos em vigência, atendendo a determinação do Ministério Público do Trabalho. Na secretaria todos os contratos foram unificados, procedimento que facilita o alinhamento com os órgãos de controle estadual. De 5.890 vagas de estágio, 3.704 estão ocupadas e nenhuma bolsa foi interrompida neste período de pandemia. Esse novo modelo unificado será disponibilizado para a Assembleia, assim como a documentação do MPT orientando sobre os contratos neste período.
A coordenadora geral do DCE da UFRGS, Ana Paula Santos, que é estudante de matemática na federal, referiu as mais de 80 mil mortes pela pandemia do novo coronavírus no país e a imediata consequência das crises política e econômica na vida das famílias de baixa renda, em especial àquelas vinculadas ao meio acadêmico através das recentes medidas inclusivas. O desemprego e a informalidade atinge os estudantes universitários, afirmou, uma vez que muitos deles são originários dessas famílias e os vínculos com os estágios asseguram a frequência na universidade e também apoio ao núcleo familiar. Nas universidades federais, 70% dos estudantes têm renda de 1,5 salários mínimos e o estágio é a única possibilidade de manutenção, realidade que também alcança os jovens vinculados às instituições particulares de ensino superior.