sábado, 23 novembro

(fotos: Reprodução/Mauro Mello – Manipulação: Raquel Wunsch)

 

Manifestar-se junto ao Ministério da Saúde e à bancada federal; buscar audiência junto à Secretaria Estadual da Saúde (SES), para discutir uma solução para o represamento de consultas, atraso nos diagnósticos e nos tratamentos dos pacientes de câncer; buscar junto ao governo federal o reajuste da tabela de repasses para os procedimentos que estão defasados há muitos anos; estabelecer transparência na lista de espera; criação de serviço específico para os pacientes oncológicos; ampliar campanhas de prevenção; reivindicar a revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou o orçamento da saúde por 20 anos e reforçar a rede de atenção básica à saúde. Estes foram os principais encaminhamentos elencados na audiência pública virtual realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa na manhã desta quarta-feira (24), por solicitação dos deputados Pepe Vargas, Zé Nunes, Valdeci Oliveira, Jeferson Fernandes, Edegar Pretto e Sofia Cavedon. A audiência foi presidida pela deputada Franciane Bayer (PSB).
Mais uma vez ausente nas reuniões que a Assembleia Legislativa tem promovido, a SES foi criticada pelos deputados da bancada petista. O vice-presidente da Assembleia, deputado Zé Nunes, lembrou que a secretaria emitiu portaria com protocolos, mas na prática não se sabe como isso foi implantado. O argumento dos gestores em saúde de que os atendimentos reduziram porque os pacientes estão deixando de procurar atendimento ou fazer o tratamento por medo de contaminação com a Covid-19 também foi contestado pelo parlamentar. “Quando a pessoa tem uma suspeição de câncer, ela não vai ficar mais preocupada em contaminar-se com a covid do que com o câncer. Portanto esse argumento dos gestores está fora da realidade”. Para o deputado, a Emenda Constitucional 95 é outro motivador da falta de atendimentos e atrasos nos diagnósticos e no início das quimioterapias. “Quando dizíamos que era a PEC da Morte, muitos deputados riam de nós e diziam que era coisa da oposição, mas essa emenda já matou milhões de brasileiros por conta do congelamento do orçamento da saúde”.
De acordo com Zé Nunes, a biópsia de próstata necessária para o diagnóstico do câncer de próstata, comparando os números registrados de março a maio do ano passado e o mesmo período em 2020, a queda foi de 80%. No caso da mamografia bilateral, que diagnostica o câncer de mama, a redução foi de 71%. “Não podemos ter mais mortes por falta de atendimento e atraso do início de tratamentos de doenças como o câncer do que pela Covid”, sustentou. O câncer é a segunda doença que mais mata no RS, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. No RS a média de mortes por câncer é ainda maior do que no país inteiro, chegando a 21,76% do total de óbitos registados contra 16,29% do Brasil. Os últimos dados do INCA apontam que o câncer matou mais de 1,06 milhões de pessoas entre os anos de 2014 e 2018. No RS, um dos estados com maior prevalência da doença, foram mais de 92 mil óbitos (entre 2014 e 2018).
O deputado Pepe Vargas também lamentou que SES não tenha enviado um representante para a audiência. “Compreensível que a secretária (Arita Bergmann) tenha dificuldade de comparecer a todas as reuniões do Legislativo, mas a Secretaria é uma equipe e, com todo respeito, não justifica a ausência de um representante”. Para Pepe, não basta dizer que há portaria que regra o acesso aos procedimentos que não são diretamente ligados à covid-19. O gestor pode e deve ouvir o que está sendo discutido para poder pactuar com os gestores municipais. Sobre o absenteísmo, Pepe disse que “entre contrair a covid e não tratar um câncer, não é plausível que alguém deixe de comparecer e se acontece seria uma situação minoritária”.
Já o deputado Valdeci Oliveira repercutiu na audiência dados do Hospital Universitário de Santa Maria sobre redução de exames. No comparativo entre os meses de março e abril do ano passado com o mesmo período deste ano, segundo ele, os diagnósticos em pneumologia despencaram 62,5%; por radiologia, queda de 32,2%; por ultrassonografia, redução de 44,5%; exames relacionado à cardiologia, um crescimento negativo de 74,4%; diagnóstico por mamografia, queda de 60,3%; por tomografias, queda de 23,9%; biópsias, menos 39,5%, e exames laboratoriais, redução de 25,1%. “O que nos preocupa e nos angustia é que vai acabar tendo um acúmulo logo ali adiante de pessoas mais doentes ainda, além da Covid-19, e o sistema não vai conseguir dar conta. Está havendo mortes por covid-19, mas não podemos deixar o povo continue morrendo de outras doenças que também têm de serem priorizadas”.

Especialistas relatam dificuldades para garantir atendimento

As autoridades e especialistas em saúde que participaram da audiência foram unânimes em relatar dificuldades para garantir o atendimento aos pacientes, devido à inoperância do Estado, a falta de recursos financeiros e humanos, à falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), entre outros. O coordenador-geral da RBCE (Rede Brasileira de Cooperação em Emergências), Armando De Negri Filho, observou que um sistema de saúde precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre a necessidade de atendimento dos pacientes e a capacidade das unidades de saúde garantirem atendimento universal, integral e humanitário. “Para ter um bom empenho é preciso perceber que quando as pessoas buscam atendimento, deveríamos ser capazes de responder em tempo adequado”. No caso do Câncer, afirmou, o resultado do tratamento depende muito do tempo entre o primeiro contato, o diagnóstico, o início do tratamento e tempo de tratamento para, assim evitar a morte, prolongar a vida e garantir qualidade de vida. Contudo, acrescentou, não há um planejamento adequado ao tamanho da população brasileira. “Quando temos um quadro de redução de atendimentos, diagnósticos e tratamento, teremos um aumento de mortes e o comprometimento do sistema de saúde, pois postergar aumenta o custo do sistema, pois os pacientes vão requerer quando a doença já está em estágio avançado, requerendo procedimentos que consomem mais recursos.”
A análise do Conselho Estadual de Saúde é de que é preciso garantir a segurança aos trabalhadores da saúde. “Há uma necessidade de adequação da política em relação à covid-19, pois o estado produziu dois decretos que elevaram a curva de contaminação e à utilização mais intensa dos serviços de saúde. Não há estrutura articulada, não temos atenção básica funcionando a pleno vapor e não temos segurança nos ambientes de trabalho”, afirmou o presidente da entidade Claudio Augustin. Segundo ele, os protocolos da SES não estão tendo eficácia. “Os decretos de abre e fecha do governo do estado estão levando ao colapso do sistema de saúde. Temos elevação de Covid, elevação de doenças negligenciadas e estamos chegando ao inverno quando aumentam as doenças respiratórias, portanto estamos à beira do colapso”.
Outra que defendeu o reforço na atenção básica é a médica e vereadora de Charqueadas. “A referência do usuário é a atenção básica. Precisamos de uma política que possibilite mais médicos, pois hoje fazemos diagnóstico de câncer na emergência e as pessoas já chegam em estágio avançado. Seria importante definirmos de quem é esse papel de organizar a rede”.
José Pedrini, do Cremers, falou que 50% é a média de redução do número de diagnósticos de câncer e isso significa que uma mulher com câncer de mama em casa, levará seis meses, um ano para fazer o exame e isso pode representar a diferença entre morrer e viver. “A demora pode resultar em tratamento muito mais agressivo e um gasto ao serviço público, igualmente muito mais elevado”. Neste momento, os profissionais de saúde entendem que precisam ter sua cota de sacrifício com segurança. No Hospital Conceição, segundo o médico, todos os dias são realizadas cirurgias, mas o represamento dos casos será muito grande. “A média no RS é de 5,5 mil casos por ano. À medida em que temos sobrecarga, se deixarmos acumular, serão cerca de 4 mil casos adicionados, o que dificultará muito o atendimento”.
Claudia Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RS, disse que houve dificuldade dos gestores municipais em entender que a atenção básica não poderia parar. “Fecharam tudo e as pessoas ficaram perdidas. Isso gerou uma demanda muito grande. Há casos inclusive de suspensão de transporte para a realização da quimioterapia”.

Tabela do SUS defasada acentua dificuldades

Segundo a secretária municipal de saúde de Pantano Grande, Francele Frantz, o teto da saúde é muito abaixo e os municípios não têm condições de pagar exames que são repactuados. “Ficamos em uma encruzilhada. Não é possível aguardar quatro meses para uma tomografia. Não podemos fechar os olhos e temos que nos colocar à disposição para buscar no ministério da saúde”. O presidente da Sociedade Brasileira de Patologia, Clovis Klock, observou que hoje o governo federal paga por biópsia apenas R$ 24 reais e, com isso, laboratórios que atendem em parceria estão se descredenciando. “O poder público precisa dar uma resposta, pois essa pandemia vai trazer reflexos por um longo período e precisamos ter condições para dar atendimento digno”.

Texto: Claiton Stumpf – MTb 9747

 

 

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