segunda-feira, 25 novembro
No dia 20 de maio, após novo decreto, que permitiu a reabertura de setores do comércio, Porto Alegre já registrava aglomerações. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

A pandemia de covid-19 tem evidenciado enorme crise sanitária, econômica, social e política em nosso país. O congelamento de gastos públicos, com a Emenda Constitucional 95, é um grande exemplo desta crise, especialmente na área da saúde. Segundo o Conselho Nacional da Saúde (CNS) somente no ano de 2019, foram cerca de 20 (vinte) bilhões de reais a menos investidos. Cabe recordar que o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) enquanto era deputado federal, votou a favor desse congelamento de gastos para a saúde, ou seja, menos investimentos para a área. Recursos, estes, que poderiam ser utilizados para a saúde da população: aumento de testagens, garantia de distanciamento ou isolamento social, equipamentos de proteção individual ou coletivo (sobretudo para os profissionais da saúde e demais serviços essenciais), equipamentos e insumos básicos em saúde para o enfrentamento da covid-19 seja qual for o nível de atenção dos serviços (postos de saúde, urgência/emergência, SAMU, leitos hospitalares e de UTI, etc.), enfim, investimento em pesquisas, entre muitas outras ações.

Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, inovou com o chamado distanciamento social controlado, um sistema por classificação de cores de bandeiras (indicando onda há maior ou menor risco por região). Acontece que existe um erro metodológico grave nos indicadores para avaliação da realidade regional/local, em se tratando da capacidade de atendimento: não se leva em conta dados (como coberturas, produções) na atenção básica. Inclusive, nos indicadores de velocidade de propagação do vírus, leva-se em conta somente leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). É como se a população estivesse sentenciada à morte: aqui tem leitos de UTI, agora podem adoecer. A lógica, no entanto, deveria ser inversa, evitando que a população necessite ocupar leitos de UTI, uma vez que a probabilidade de morrer é grande.

É absolutamente necessário avaliar, em critérios metodológicos, dados e indicadores relacionados a atenção básica. Atualmente, a cobertura de Equipes de Saúde da Família (eSF) no estado é de 59,66% (abril/2020 – Ministério da Saúde). Ou seja, levando em consideração a população estimada do estado, cerca de 4,5 milhões de gaúchos(as) estariam sem cobertura de médico(a), enfermeiro(a), técnicos(as) de enfermagem e agentes comunitários de saúde inseridos na lógica do território (postos de saúde descentralizados) e trabalhando com a comunidade (Equipes de Saúde da Família).

A estratégia comunitária e territorial para controle do Covid-19, tendo o posto de saúde inerido na comunidade como eixo coordenador do cuidado é, indubitavelmente, a mais eficaz. É pensar em vidas, e – justamente – evitar que as pessoas necessitem ser hospitalizadas e de cuidados intensivos (críticos) em leitos de UTI. Todo gestor público deveria colocar a meta da vida em primeiro lugar. Porém, Leite e Marchezan não pensam assim. Em Porto Alegre, em vez do prefeito investir na atenção básica, na construção e ampliação dos postos de saúde, na verdade o gestor vem fechando postos. E, tão grave quanto, propondo demissão de cerca de 1.500 profissionais de postos de saúde, empregados(as) públicos(as) concursados do IMESF. Isso é tirar parte do coração da comunidade, em última análise é ceifar vidas – que parecem não importar ao prefeito.

A cobertura de Equipes de Saúde da Família em Porto Alegre é somente de 55,58% (abril/2020 – Ministério da Saúde), cerca de 660 mil pessoas não são cobertas. A atenção básica tem papel essencial no combate ao novo coronavírus, em abordagem territorial, comunitária e integrada com a vigilância em saúde, para rastreamento e monitoramento de casos confirmados. A permanência de equipamentos básicos nos postos de saúde (por exemplo, oxímetro, termômetro, fonte de oxigênio, materiais/insumos para utilização de oxigenoterapia, medicamentos de urgência/emergência, entre outros), junto com aumento da testagem nos postos de saúde, a garantia de condições para distanciamento/isolamento social, bem como a garantia da renda emergencial básica são as principais receitas para enfrentar a crise da covid-19. São estratégias preventivas e próximas da casa das pessoas.

Investir na atenção básica, é também permitir uma série de ações como acompanhamento de doentes crônicos (por exemplo, hipertensos e diabéticos), evitando que estas pessoas tenham infartos, acidentes vasculares encefálicos e ocupem leitos de UTI, que podem salvar vidas de pacientes com covid-19 em estado crítico. Entre tantas outras ações, importantes, realizadas nos postos de saúde. Para saber mais sobre atividades na atenção básica, ler “Covid-19: triagem com oximetria nos postos de saúde“.

O governador e o prefeito, no entanto, ao invés de investir em vidas preferiram o caminho da morte. É nítido, público e notório que, a partir do momento que estes gestores começaram a flexibilizar o distanciamento social – permitindo a reabertura de comércios (inclusive restaurantes, bares, shoppings centers), o número de casos aumentou, bem como a quantidade de mortes. É necessário, saudável, democrático e – sobretudo – um ato de humildade – gestores públicos (eleitos pela população) reconhecerem seus erros. O Rio Grande do Sul e Porto Alegre têm o direito de pedidos de desculpas e os gestores tem o dever em fazê-lo. Acompanhado do pedido de desculpas, é necessário que estes gestores imediatamente, tomem as seguintes ações:

  • Ir à público, através da mídia, e pedir desculpas à população frente as medidas equivocadas que realizaram, que culminaram em aumento de número de casos e de mortes;
  • Convidar a população a participar das tomadas de decisões das ações de combate ao Covid-19, através da inclusão efetiva de conselhos setoriais – em especial os conselhos de saúde, bem como de órgãos representantes de trabalhadores(as);
  • Rever todas as decisões tomadas até o momento, inclusive em critérios metodológicos, para basear essas ações;
  • Além do aumento da capacidade instalada de números de leitos hospitalares e de UTI, aumentar consideravelmente, investimentos na Atenção Básica e na Vigilância em Saúde;
  • Não demitir empregados(as) públicos(as) com vínculo nas comunidades, muitos inclusive especialistas (no caso do IMESF/Porto Alegre), justamente em um momento crítico da pandemia na capital;
  • Orientar protocolos (sobre Covid-19) voltados para ações a serem executadas na atenção básica, capacitando os(as) trabalhadores(as) para tal finalidade;
  • Reconhecerem os erros e retornarem ao estágio de distanciamento social radical, sem flexibilização, garantindo que a população mais vulnerável receba – de fato – a renda emergencial básica. É importante, nesse contexto, que a cadeia de produção possa fornecer à população alimentos/insumos necessários com a finalidade de atravessar a pandemia. E que seja garantido aos(as) trabalhadores da produção toda a segurança necessária no seu trabalho.

OBS: Por não haver vacina e, tampouco, medicamento cientificamente comprovado para a cura, a melhor orientação é o distanciamento social;

  • Aumentar a fiscalização do cumprimento das regras estabelecidas.
  • Somente tomar a decisão da saída do distanciamento social, ao se verificar medidas padrões orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Estêvão Finger, Enfermeiro e Especialista e Saúde da Família e Comunidade. Ex- conselheiro do COREN/RS e ex-presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RS. Atualmente, é empregado público do município de Porto Alegre.

Fonte: Sul21

Compartilhe