sexta-feira, 22 novembro
Jair Bolsonaro e Sérgio Moro / Marcos Corrêa | Planalto via Flickr/Creative Commons

Fui buscar uma ideia elementar de republicanismo como fundamentos da sua evolução pós maquiavélica, vinculando-o às ideias da democracia moderna: a teoria republicana jeffersoniana, aponta a ciência política elementar – “se baseava no culto da cidadania ativa, fazendo com que a simplicidade de maneiras, a fala despretensiosa e clara e as virtudes da sinceridade se universalizassem pelos exemplos pessoais.” De Jefferson para hoje, as coisas se complexificaram na República, mas dois elementos daquela concepção ingênua -as virtudes da sinceridade e a cidadania ativa- são ideais morais e políticos do republicanismo, que são sempre atacados pelas costas, quando a República se veste para morte ou quando ela esfria seu abraço abrangente, para melhor servir os donos do poder.

O Presidente Figueiredo quando o regime ditatorial começou a fazer água de forma definitiva – assistido principalmente por Nelson Marchezan, Jarbas Passarinho e Petronio Portela – extinguiu, através da Lei da Anistia, a punibilidade dos crimes cometidos pela regime militar e abriu uma “concessão” política à oposição, “perdoando” parte dos “delitos” políticos da resistência à ditadura, perdão que mais tarde vai ser ampliado para quase todo o espectro da oposição. Figueiredo saiu com dignidade – dentro dos critérios da época – porque teve o mérito de enfrentar as alas mais radicais da Forças Armadas, que pediam o fechamento completo do regime e a retomada dos métodos bárbaros de dominação instalados na Operação Bandeirantes.
Quando o processo de impedimento do Presidente Collor já estava configurado, ele chamou o Coronel Jarbas Passarinho para ser seu Ministro da Justiça. Era um esforço do Presidente em queda livre, para resgatar -na sua saída- a dignidade do cargo maculado por uma série de atos, nem tão novos na República, que induziram a formação de uma ampla frente de interesses contrariados (nem todos lícitos), para retirar Collor da magistratura presidencial. Ele não mais representava a unidade das “elites dirigentes”, naquela acepção de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, a minoria que pelas suas qualidades e competências na gerência política do Estado, empalmava o poder mesmo que ele não fosse fosse delegado pela soberania popular ou por uma autoridade de fato.
  No caso da Presidenta Dilma não vale a pena dizer mais do que isso: era uma Presidenta digna e honesta, que foi deposta porque o tipo de governabilidade que ela poderia oferecer, na conjuntura, não mais interessava ao conluio permanente dos setores políticos mais decadentes das oligarquias regionais, representadas majoritariamente no Congresso. As declarações de voto, na decisão do “impeachment”, diziam tudo: celebração da tortura, recados à família, mensagens regionais eleitoreiras, juras de honestidade, estas dos principais corruptos da história recente do país, combinadas com beatitudes idiotas de envergonhar a pátria. Dilma saiu com dignidade e permanece uma mulher digna.
  Ninguém sabe se Bolsonaro vai conseguir cumprir o seu mandato, mas todas pessoas de bom senso -independentemente da sua ideologia ou preferência partidária- já sabem que ele não tem e nunca teve as mínimas condições de presidir o país: não é uma pessoas capaz de racionalizar minimamente as questões, não tem condições de  hierarquizar os problemas; mistura frequentemente questões de natureza pessoal, com questões políticas e familiares; não tem o menor apreço à ciência e pelas instituições da república, vivendo mentalmente num mundo paralelo -orquestrado pelos “zeros”- cujas confusões mentais e despreparo são visíveis para qualquer cidadão.
  As pessoas mais orgânicas a Bolsonaro podem até não concordar com as conclusões acima, a respeito do Presidente, mas há uma questão definitiva – hoje no Brasil – para definir os campos políticos, ora em diante: seja por motivos mentais ou de informação, Bolsonaro não tem a menor ideia o que é a República e o republicanismo e isso que parece ser uma obviedade tantas vezes imputada ao Presidente, apresenta-se -após o seu doentio discurso de resposta a Moro – como o mais definitivo diferenciador de campos no processo político ora em diante.  As pessoas insanas podem ser mais, ou menos dementes, mais ou menos idiotas, mais ou menos inteligentes, mas ninguém é republicano por instinto ou por loucura, já que a República exige a aceitação de determinados padrões de sociabilidade política, que vem de um olhar sadio sobre o mundo, estruturado no convívio e na cultura.
  Para recuperar a capacidade de governar, que havia conseguido com o apoio da mídia oligopólica até poucas semanas atrás – oferecendo-lhe em sacrifício milhões de trabalhadores sem proteção e sem salário – para facilitar as as reformas, Bolsonaro teria que repactuar seu campo de maneira republicana ou pela força. A primeira forma nunca estará na sua mente atrapalhada e torpe; e a segunda possibilidade (repactuação pela força) tornou-se impossível, porque ambos  – Moro e Bolsonaro – estão pela primeira vez falando a verdade um sobre o outro, contando crimes que só o remédio aplicado a Eduardo Cunha poderá consertar em termos definitivos.
Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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