Mobilização contra privatização do Mercado Público será intensificada em Porto Alegre

Mobilização contra privatização do Mercado Público será intensificada em Porto Alegre
Foto: Marta Resing

Intensificar a mobilização com realização de atos e registrar nos Institutos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Estadual (Iphae) o inventário dos bens culturais imateriais que compõem a condição de Patrimônio Cultural do Mercado Público de Porto Alegre foram os principais encaminhamentos da audiência pública realizada nesta quarta-feira (11) pela Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS, presidida pela deputada Sofia Cavedon (PT). A deputada, uma das proponentes do encontro, destacou que os movimentos de mobilização devem ser unificados com os demais equipamentos municipais da Cultura da capital que também estão em processo de contratualização como a Cinemateca Capitólio, a Pinacoteca Rubem Berta e o Atelier Livre Xico Stockinger.

Em sua manifestação Sofia relatou a realização de duas audiências públicas em 2019 que debateram a preservação do patrimônio do Mercado Público, atendendo a legislação.”O edital de 2017 citava a dimensão do patrimônio imaterial do Mercado Público. A seguir na consulta pública as diretrizes da dimensão do patrimônio imaterial desapareceram. Hoje o processo proibe atividades políticas e religiosas, além de não apontar como se dará a preservação dos usos e costumes do Mercado. A atual gestão municipal tem que respeitar os mercadeiros e os povos de Matriz Africana”, ressaltou a parlamentar.

Claudio Ari Mello, promotor do Patrimônio do Ministério Público Estadual disse que a ação do Mercado Público é um processo político e social, mas que pode ter um viés jurídico e judicial. “Os processos de privatização dos bens públicos como o Mercado Público, não são comuns, e devem ser acompanhados pela sociedade e pelos órgãos do controle. O Mercado é um bem de relevância coletiva e social, sendo um ente que produz identificações, afetos, que congrega pessoas e fazeres, tendo um importância correspondente a intensidade com que a sociedade se identifica com esse bem”. Claudio Ari exemplificou com o caso da privatização das praças e parques da cidade onde não houve um debate sequer. “Deveria ter acontecido, pois é uma mudança histórica, que a cidade ainda não tinha vivenciado. Os titulares desse patrimônio é a população e deve ser ouvida”. Com relação ao aspecto jurídico do Mercado Público, o Promotor disse que “abrange a questão formal, e não pode ser feita em gabinete, e sim com diálogo com a população que usa o espaço. Neste processo não está sendo respeitada a gestão democrática como um princípio da administração pública que vem desde 1988. A lei orgânica incorpora o princípio da gestão democrática, por isso o gestor tem que ouvir o povo, quando vai fazer um processo de transferência de gestão do Mercado Público. Outro aspecto é sobre a decisão em si. O MP pode analisar qual o conteúdo da decisão. Quais são as soluções apresentadas, elas preservam a tradição e memória do local. Os problemas políticos e sociais estão em esferas diferentes do problemas jurídicos. Por isso é difícil estabelecer qual o rito da gestão democrática. Por isso tanto o processos, quanto a decisão em si, é objeto de análise para saber se o gestor pode tomar essa decisão. O MP analisa se o processo de privatização da gestão do Mercado Púbico é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro e será judicializado”, afirmou.

Renato Savoldi, diretor do Instituto de Patrimônio Histórico (Iphae) passou a palavra para o historiador Rafael Filter Santos da Silva que conceituou o patrimônio imaterial que engloba a inclusão das pessoas e disse que o patrimônio imaterial é mais complexo de ser percebido e exige proximidade e proteção. “Em 2019 foi regulamentada a legislação do patrimônio imaterial do RS. Assim o Estado tem meios para garantir a salvaguarda e registro dos bens imateriais. O registro se dá por ato administrativo onde consta o tombamento para salvaguarda de um material”. Citou o exemplo do assentamento do Bará que está registrado no livro de lugares. “O lugar é um rede de afetos que respalda a memória de um espaço”. Com relação ao Mercado Público citou parecer sobre a arquitetura e potência estética deste espaço e a importância de fazer o registro das práticas comerciais dos mercadeiros e do Assentamento do Bará, com a necessidade de registro das suas práticas, da sua forma de encruzilhada.

Caetano Kayuna Sordi  Barbará Dias, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) destacou a importância do debate sobre patrimônio imaterial, pois desde 2000 existe a legislação que institui o patrimônio imaterial através de registro. No Estado destacou as Ruínas das Missões, que são um sítio importante para os Guaranis e a doçaria de Pelotas, que estão registrados como patrimônio imaterial no RS, ambos com Matriz Africana.

Adriana Kauer, presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado Público relatou sobre a história do Mercado nos últimos 20 anos, reafirmando que viver o Mercado Público é estar com contato com a alma do Mercado e com o bem viver entre nós.

Isadora Vargas, pelo Ministério Público de Contas (MPC) relatou que foi feita a representação 18/2019, dividida em três partes: fatos pretéritos, disponibilização de recursos federais, incêndios, legislação, que trata da história e cultura do Mercado Público, e análise das minutas e anexos. “A inspeção especial será de análise de 2013 até 2015. O MPC está trabalhando com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) nesta inspeção (Inspeção Especial 303440200192).

Mãe Vera, encerrando a audiência, disse que foi um debate de construção com olhar comprometido com os povos que ainda são invisíveis no século XXI.  “Hoje se tem o extermínio do povo preto e de Matriz Africana. A violência é muito ampla, desde a retirada de direitos, falta de alimentos, casa, emprego”. Afirmou que a privatização é mais uma perda de território do sagrado que está centralizado no Mercado Público. “Mais uma vez querem tirar a identidade do provo preto”, salientando que essa é mais uma luta. “Mais de 60 Casas de Religião no Estado vem ao Mercado Público regularmente”.

Também manifestaram-se Reginete Bispo, vereadora Karen Santos (PSOL), Pai Tiago do Bará, Valter Aragão, Luis Henrique Pisani de Jesus, Philip Rodrigues, Copinaré Acosta, Devlin de Oxum, Miguel Rossetto, Andreia Cristina da OABRS e vereador Marcelo Sgarbossa (PT).

A Prefeitura de Porto Alegre não enviou representante para a audiência.
Texto e foto: Marta Resing – MTb 5405