sexta-feira, 22 novembro
Foto: Divulgação/Trensurb

Chico Vicente* e Miguel Rossetto**

Há alguns dias, ocorreu em Porto alegre um encontro entre representantes dos governos federal, estadual e do Município de Porto Alegre para assinar acordo de cooperação técnica que visa a privatização da TRENSURB. Na foto, os participantes esboçam um riso entre amarelo e debochado. Mas, estão rindo de quê?

No caso dos representantes da Prefeitura de Porto Alegre, talvez estejam rindo da própria incompetência, na medida em que conduziram o modelo de transportes públicos na capital gaúcha a uma séria crise, podendo a passagem ir à R$ 5,20. Caso isto ocorra, significa que um trabalhador ou trabalhadora, tomando apenas um ônibus para ir e voltar do trabalho, gastará R$ 10,40 por dia, ou seja, em 22 dias úteis desembolsará R$ 228,80, ou seja, 22% do salário mínimo nacional. Um verdadeiro abuso!

Os representantes do governo do RS, podem estar rindo da própria incapacidade de promover uma articulação metropolitana de transportes públicos que potencialize o sistema e melhore as condições de locomoção das classes trabalhadoras. Esta reunião acontece num momento em que a mobilidade virou tema central na vida das pessoas. Porém, eles não trataram disto. Eles se reuniram com gestores privatistas do governo Bolsonaro para criar mecanismos que facilitem a privatização da TRENSURB.

Com a privatização da TRENSURB, o usuário vai pagar mais. Em recente audiência na Assembleia Legislativa, a própria TRENSURB admitiu que a tarifa pode ir a R$ 7,20, como forma de cobrir os custos operacionais para garantir lucro à empesa privada que assumir o sistema. Além disto, a qualidade e a segurança do sistema vão cair, os direitos trabalhistas dos metroviários serão subtraídos e os encargos do Estado do Rio Grande do Sul serão elevados.

Isto vai acontecer porque o Metrô, no mundo todo, por se tratar de um sistema confinado, internaliza custos que são duplamente pagos pela sociedade nos outros modais. No Metrô, os custos com via permanente, sinalização, estações, segurança e rede aérea estão embutidos no custo da empresa. No ônibus não. Nesse caso, o asfalto, as sinaleiras, as paradas e a Brigada Militar são pagos duas vezes pelo contribuinte, através de impostos além da tarifa. Se os custos internalizados do Metrô forem expurgados, certamente fica mais barato que o ônibus.

Mas não podemos esquecer que, além de central, a mobilidade urbana é também um tema sensível. Em junho de 2013, no Brasil a partir da contestação do aumento de vinte centavos na tarifa, as manifestações se multiplicaram. Atualmente no Chile, na resistência à elevação da tarifa dos transportes públicos, levantou-se um enorme movimento popular, com dezenas de mortos e feridos ocasionados pela repressão do governo chileno, e que está levando o país à uma nova constituição.

Estes fatos acontecem porque os governos neoliberais não estão preocupados com o bem-estar do povo, mas apenas com o lucro das empresas. Isto leva à uma situação insuportável e o único remédio é protestar e combater as medidas por eles adotadas.

Cabe lembrar que já ocorreram duas tentativas de privatização da TRENSURB. A primeira foi em 1993, durante o Governo Itamar Franco, por ocasião da aprovação da Lei da Estadualização no Congresso Nacional (Lei 8.693/93). Na época, o Sindicato dos Metroviários, então filiado à CUT, em articulação com o Governador Alceu Collares, barrou o processo. Em 1998, aconteceu nova investida contra o patrimônio público, desta feita desferida pelo então Ministro dos Transportes do governo FHC, Eliseu Padilha. Mais uma vez, o SINDIMETRÔ/RS, alicerçado em forte mobilização popular e da categoria e, em movimento estratégico conjunto com o Governador Olívio Dutra, cujo vice era Miguel Rossetto, impediu a entrega da estatal.

No atual momento, o governo Bolsonaro lança uma nova ameaça contra a empresa, seus empregados, a sociedade e os usuários do sistema. Os governos neoliberais privatistas de Leite e Marchezan se lançaram nesta aventura sem medir as consequências sociais, econômicas e políticas desta entrega. Com toda certeza, novamente haverá resistência.

A TRENSURB é uma empresa pública, vinculada ao Governo Federal, mas que tem por acionistas o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Porto Alegre. Em 2020 elegeremos um novo governo para a nossa capital e, certamente, este tema será debatido. O povo de Porto Alegre dirá, nas urnas, como a Prefeitura deverá agir em relação à privatização da TRENSURB.

A Região Metropolitana de Porto Alegre precisa de um sistema público, integrado, seguro, de qualidade e com tarifa acessível a quem trabalha. A privatização da TRENSURB destrói estes conceitos e privilegia o lucro prejudicando os usuários e a sociedade e favorecendo apenas o empresário que ganhar a licitação.

Por isto novamente a pergunta: Estão rindo de quê? Talvez da desgraça do povo trabalhador que usa os trens e do aumento de gastos dos cofres estaduais já tão combalidos por políticas que despotencializam o Estado e fortalecem unicamente o grande capital. Isto explica o riso debochado e amarelo.

 

*Chico Vicente é Metroviário, Geógrafo e Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais. Foi Presidente do SINDIMETRÔ/RS e da CUT/RS, além de Diretor de Administração e Finanças da TRENSURB.

**Miguel Rossetto é Sociólogo e Mestre em Políticas Públicas. Foi Vice-Governador do RS, Deputado Federal e Ministro do Desenvolvimento Agrário do Governo Lula da Silva e Ministro do Trabalho do Governo Dilma Rousseff.

 

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