sábado, 23 novembro
Foto Joaquim Moura

A Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia realizou, na manhã desta terça-feira (19), audiência pública para debater a aplicação da Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira” nas escolas da rede estadual. A iniciativa da audiência é da presidente do colegiado, deputada Sofia Cavedon (PT).

O escritor e poeta Ronald Augusto abriu o debate destacando a importância da literatura negra na cultura brasileira. “A literatura negra começou a ser realmente debatida na década de 1980, quando houve um movimento de escritores negros. Mas, ao analisar a história, se vê que ela existe desde o século 18. A verdade é que a cultura brasileira é a cultura negra, mas isto não é discutido nas escolas. É importante que esta pauta seja trazida à tona nas escolas do estado”, comenta. O escritor ainda ressalta a importância do poeta Oliveira Silveira, um dos líderes na campanha pelo reconhecimento do Dia da Consciência Negra em 20 de novembro.

A produção de material sobre a cultura afro-brasileira não é o problema para a aplicação da Lei segundo a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gladis Elise Pereira da Silva Kaercher. “Qualquer sujeito com um celular na mão pode acessar a Internet e baixar uma infinidade de materiais sobre o assunto. A produção negra está disponível. Mas por que não são acessados? Porque o racismo estrutural assim o determina. Que os professores se debatam diariamente por suas condições de subsistência que não lhes sobre nem tempo para pensar sobre a lei”, afirma. A coordenadora do curso de aperfeiçoamento UNIAFRO – Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola ainda comenta que há uma falta de fiscalização por parte dos Conselhos Municipais de Educação, que tem por tarefa fazer esta vistoria no sistema de ensino de sua cidade.

Representando a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Rodrigo Venzon explica quando a real mudança irá ocorrer. “Quando tudo isso vai mudar? Quando os jovens negros e indígenas, que entraram na faculdade nos últimos anos, sejam os professores das mesmas”. Rodrigo complementa dizendo que: “A obrigatoriedade é uma questão a ser trabalhada com o cotidiano da rede de educação, porque a maioria dos professores não aprendeu estas questões na sua formação inicial. E muitos que tiveram acesso não priorizaram esta pauta por entenderem ser menos importante para ser ensinadas e aprendidas”. Lúcia Brito, também da Seduc, destaca que o trabalho étnico-racial precisa começar na educação infantil. “O artigo 26ª, da Lei 10.639, não se reduz ao ensino médio: é para todas as escolas. A questão étnico-racial precisa iniciar lá na creche. A gente trabalha muito, mas todo trabalho tem um limite e o nosso é o racismo”, ressaltou.

Renato Nakahara, advogado e representante da Associação dos Pais e Mães pela Democracia e do movimento Meninas Crespas, comenta seu ativismo. “O movimento Meninas Crespas surgiu na Restinga, a partir da mobilização dos jovens da Restinga em relação à um caso de racismo na comunidade. Ele busca valorizar a autoestima e o poder que isto representa. Na Associação, temos mais de 15 mil pessoas, entre escolas públicas e privadas em dez cidades gaúchas”. O advogado ainda lembrou que o principal alvo do seu ativismo é o racismo estrutural.

Edson Garcia, representando o CPERS, admite que a luta não é fácil. “Ainda bem que sabemos bem o que é resistência. Matamos um leão por dia, é muito fácil bater em nossas costas, dizer que somos bons, mas o racismo existe e está no olhar e ações de cada um. Sobre a Lei: é desafiador falar sobre ela nas salas de aula. Sabemos que não existe um estimulo para ela ser desenvolvida dentro das escolas, vai muito de cada professor na sala de aula. Precisamos que isto seja mudado e este espaço na Comissão é de suma importância para que isso aconteça”.

Finalizando as falas da mesa, o conselheiro do Conselho Estadual de Educação, Antônio Saldanha, declara que o que falta são ações e atitudes. “Existem leis e existe o consenso formal. Mas falta ações e atitudes para que elas sejam efetivadas. Uma das construções que o Conselho fez foi exarar para o Sistema Estadual de Ensino a Resolução 297, que institui as normas complementares das diretrizes étnico raciais e da cultura afro brasileira e africana”. Antônio ainda concorda com a fala da professor Gladis: falta fiscalização por parte do Conselho.

Como encaminhamento, a deputada Sofia Cavedon (PT) afirmou que a Comissão buscará compor o Fórum Permanente da Educação Étnico Racial do RS para manter a discussão sobre o assunto. Ainda deixou como sugestão a realização de um Seminário de Formação para 2020 e a publicação do Plano de Implementação das Diretrizes Curriculares como material da Comissão.

Ainda se manifestaram Maria Conceição Vidal, da Pastoral Afro na Vila Cefer II, a professora da Escola Municipal Vereador Martin Aranha, Denise Freitas, Wagner Cardoso, diretor do Instituto de Educação General Flores da Cunha, Luiz Mendes, da Coordenação do Fórum Permanente da Educação Étnico Racial do RS, Ottmar Teske, representando o senador Paulo Paim, e Luiz Volnei, do movimento de consciência negra de Butiá. Acompanharam as discussões o deputado Fernando Marroni (PT) e a deputada Luciana Genro (PT).

Fonte: Agência de Notícias ALRS

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