terça-feira, 26 novembro
Foto Joaquim Moura

Os incômodos no dia a dia e os perigos à saúde que a poluição no arroio Passo Fundo, em Guaíba, causa à população do município, principalmente àquela residente às margens do arroio, foram as principais pautas da audiência pública realizada na manhã desta quarta-feira (16), no Plenário João Neves da Fontoura (3º andar) da Assembleia Legislativa. O arroio Passo Fundo está localizado em toda sua extensão no município, possuindo uma área de aproximadamente 79,8 km.

Nas falas dos presentes, uma significativa diferença no entendimento tanto da causa da poluição como nos causadores desta. Enquanto representantes do município e do governo do estado avaliam que o principal motivo para tamanha degradação seja a falta de saneamento básico, moradores e organizações da sociedade civil asseguram que o problema é causado, principalmente, por indústrias e a agricultura. A “água fétida, com uma camada branca e que exala vapores”, segundo a química ambiental Aline Stolz, não é apenas do esgoto sanitário dispensado diretamente nas águas. “Insistem nisso, mas a água tem cheiro de amônia e esgoto cloacal não tem esse odor”, explicou. Segundo Aline, uma conjunção de fatores tem feito com que as análises da água, quando feitas, desde 2008, vem apontando que sua qualidade vem sendo classificada como regular e ruim desde então. “A Fepam não faz todas as análises, o poder público não cumpre prazos acordados, é omisso e não cumpre a legislação ambiental”, explicou, destacando que quando a pressão se torna grande pegam uma ou outra empresa como boi de piranha, para assim fazer de conta que estão fazendo algo. “Na verdade o arroio Passo Fundo é hoje um grande esgoto a céu aberto. Enquanto minimizam o problema a população adoece”, frisou.

O debate, proposto pelo deputado Valdeci Oliveira (PT), por solicitação da União das Associações de Moradores de Guaíba (UAMG), foi aprovado por unanimidade pelos integrantes da Comissão de Saúde e de Meio Ambiente (CSMA) do Parlamento gaúcho, da qual Valdeci é membro titular. “É uma situação muito séria, pois está afetando, negativamente, além do próprio meio ambiente, a vida de milhares de famílias. Há muita informação contraditória, principalmente dos órgãos públicos, em relação à poluição, seu grau efetivo e de onde ela vem. O fato concreto é que análises químicas já identificaram que os problemas são decorrentes de dejetos industriais, esgotos e da própria agricultura. E não somente na água, mas também no solo”, avaliou o parlamentar.

Para Valdeci, segundo técnicos consultados e entidades da sociedade civil envolvidas com o tema, apesar dos problemas o arroio tem plena capacidade de recuperação. “Mas para isso precisamos de um debate transparente que indique os focos de agressão e que o poder público ofereça ações efetivas que incluam um plano de gestão e de gerenciamento eficaz da bacia em sua totalidade. Com isso teremos condições de utilizar este importante recurso hídrico de forma responsável e sustentável”, sustentou o parlamentar.

Em oposição aos relatos dos moradores, de seus representantes e das ONGs presentes, Lilian Zenker, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, assegurou que em todas as vistorias realizadas o nível de coliformes fecais foi muito elevado, indicando ser esta a principal causa do problema e que a empresa denunciada não produzia resíduos suficientes que contribuíssem para a degradação verificada. Segundo Lilian, a dispensa do esgoto nas águas não se tratava somente da ausência de uma rede coletora, mas porque muita gente não ligava as residências a essa rede.

Na mesma linha seguiu a promotora Ana Luiza Leal, da Promotoria de Justiça Especializada de Guaíba. De acordo com ela, havia muitas informações “soltas” e que análises feitas da água apontaram que a causa principal da poluição era realmente a falta de saneamento básico. Disse que em reunião com a Corsan foram discutidas tanto ações de longo prazo como emergenciais. Neste último caso, sugeriu um desassoreamento no arroio e o estabelecimento de TACs com os lindeiros da região para que contribuíssem com a recuperação da mata ciliar.

Já o presidente da Federação Riograndense de Associações Comunitárias e Moradores de Bairros (Fracab), Arnóbio Pereira, morador de Guaíba, disse achar estranho a afirmação de que o problema é todo causado por falta de saneamento. Segundo ele, a inexistência de saneamento básico contribui bastante para o agravamento da situação. Porém, a vivência daqueles que residem próximo ou às margens do arroio demonstra haver algo muito pior do que o excesso de coliformes fecais. Arnóbio relatou que em muitos lugares, na própria região, onde também não saneamento básico as pessoas não sofrem da mesma forma. “Certa vez deixamos algumas moedas sobre uma mesa no lado de fora da casa. No dia seguinte elas estavam pretas. Naquelas águas tem muito produto químico pesado”, relatou. A fala do presidente da Fracab foi avalizada pelo dirigente da União das Associações de Moradores de Guaíba, Roberto de Oliveira. “Sim, é preciso tratar o esgoto, mas também é preciso identificar a empresa que está poluindo o arroio. Tem muito metal pesado ali, mas parece que ninguém quer resolver o problema”, sentenciou.

Outro relato neste sentido foi dado por Jéssica Mitiz Uhlein, engenheira ambiental voluntária da ONG SOS Mata Atlântica, e não deixou dúvidas. Durante três dias ela tentou fazer análise da água, mas não conseguiu porque esta muito preta e o reagente utilizado para o exame ficou comprometido. Por sua vez, a professora Carla Giselda Liares afirmou que a situação vivida pelas pessoas no local era desesperadora, pois em vários momentos ficava com as salas de aulas vazias devido ao adoecimento dos alunos, que apresentavam problemas respiratórios e de pele.

Entre os encaminhamentos do plenário a sugestão para que a Fepam amplie o monitoramento das águas do arroio, que o Ministério Público siga com a aplicação de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) junto ao município com o objetivo de minorar os problemas e que a prefeitura tome iniciativas com o objetivo de reassentar moradores que hoje vivem em áreas de risco ao longo do perímetro e que perdem todo o pouco patrimônio que possuem nos períodos de fortes chuvas.

A ausência de representante da Corsan, apesar de ter sido convidada, foi muito criticada pelos presentes. Também se manifestaram durante a audiência o secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Guaíba, Jefferson Santos, e Liliane Becker, bióloga da prefeitura.

Texto: Marcelo Antunes (MTE 8.511)

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