sábado, 23 novembro
Foto Tiago Machado

As modificações anunciadas pelo governo federal na estrutura do Censo Demográfico 2020 poderão levar à desfiguração desse instrumento fundamental para apontar as diretrizes da maioria das políticas públicas nacionais e até mesmo para definir os recursos do Fundo de Participação Municipal (FPM). Essa avaliação foi compartilhada por pesquisadores, servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representantes de universidades e deputados que participaram de uma audiência pública sobre o tema nesta terça-feira (8), na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Promovida pelo deputado estadual Valdeci Oliveira, a atividade alertou principalmente para os riscos da decisão do governo federal de alterar o número de perguntas e o conteúdo dos questionários do Censo e de reduzir a contratação de recenseadores de 203 mil para 180 mil profissionais. “O IBGE tem uma norma de serviço que diz que quem determina mudanças em questionários é o Comitê Técnico. E esse Comitê simplesmente parou de funcionar e só voltou a funcionar duas semanas atrás, depois que o questionário foi mudado”, afirmou o pesquisador e demógrafo do IBGE, Antônio Tadeu de Oliveira, que veio do Rio de Janeiro para participar da audiência.

Oliveira, que já participou da elaboração de quatro censos demográficos no país, foi ainda mais contundente na sua análise e afirmou que um problema federativo poderá ser criado no país. “Os municípios não vão aceitar (os resultados) e vão recorrer dos erros que ocorrerão na distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a partir do Censo. Poderemos ter uma década demográfica perdida”, alertou ele.

O demógrafo também afirmou que, pelo formato estabelecido, São Paulo será o único estado que terá informações “robustas” sobre o quesito da migração interna. Os demais, prevê ele, terão margem de erro superior a 5%. “Isso é inaceitável. Do jeito que o país está estruturado. Do jeito que se distribui os fundos de participação e os fundos para a educação, se não houver uma atualização (precisa) da população estamos mortos. Boa parte das políticas públicas do país são calcadas em informações demográficas. Muito provavelmente vamos ter refazer o censo até o meio da década. A sensação que eu tenho, quando eu sento com as pessoas que estão dirigindo o Censo, é que elas estão em uma mesa de um cassino, com R$ 2 bilhões e 300 milhões de reais. Jogando. A chance disso dar errado é muito grande”, disparou ele.

O deputado Valdeci ficou preocupado com a consequência do “novo Censo” para os municípios. “Ocorrerão cortes dramáticos nos recursos do FPM para muitos municípios. Temos que chamar a atenção de todos os prefeitos do RS. Os municípios que já são deficitários ou contam com receitas pequenas vão pagar uma conta muito alta”, afirmou.

O representante do Sindicato Nacional dos Servidores do IBGE (ASSIBGE), Antônio Carlos da Mata, também criticou o número de recenseadores contratados para elaboração do Censo. “Com a quantidade de recenseadores contratada, a gente não consegue fazer o censo em três meses. Primeiramente, eram para ser contratados 203 mil profissionais, e, hoje, o que temos são 180 mil profissionais. Isso é um grande risco”, acrescentou.

A questão dos recenseadores também foi salientada pela representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a professora Marília Ramos. “A qualidade das informações levantadas depende muito do trabalho dos recenseadores”, reiterou ela.

Também representando a ASSIBGE, seção RS, a servidora Maria Léa Souza afirmou que as prefeituras do Estado já foram informadas das modificações e dos riscos que envolvem o Censo 2020. Ela acredita que o trabalho tem de ser reforçado pela gravidade das consequências do estudo. “Nós sabemos que o IGBE é importante para todos, e o nosso trabalho tem que ter qualidade. Isso é inegociável”, destacou.

Ao final da audiência pública, foi aprovada o envio de uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro, ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e a presidente do IBGE, Susana Guerra, cujo texto foi aprovado pelo público presente na reunião. A carta defende a manutenção dos questionários originais, a contratação de 203 mil recenseadores, a manutenção do orçamento previsto para realização do censo sem cortes e o encaminhamento de respostas técnicas para as alterações realizadas nos questionários e na metodologia do Censo 2020.

Outro encaminhamento definido foi a elaboração de um documento dirigido aos prefeitos e prefeitas gaúchas para esclarecer e detalhar os efeitos preocupantes das mudanças previstas no estudo demográfico do ano que vem.

Texto: Tiago Machado (MTE 9415)

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