Um Grupo de Trabalho, formado por integrantes da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo (CCDH), da Defensoria Pública da União, da Funai, entre outros entes, será constituído para tratar das demandas dos índios Guaranis Mbyas que integram a Retomada da Ponta do Arado, na zona sul de Porto Alegre. A formação do GT foi o principal encaminhamento da audiência pública que a CCDH promoveu, na manhã desta quarta-feira (19), para discutir a situação daquela comunidade indígena. Os índios permanecem no local graças a uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do RS.
Segundo o deputado Jeferson Fernandes (PT), que propôs e coordenou a audiência, a ideia é também garantir emergencialmente a chegada de alimentos, água, roupas, de serviços básicos de saúde, educação e segurança ao local, cujo acesso só é permitido por barco, já que a população vizinha proibiu a entrada dos indígenas por terra. “A Defensoria Pública da União seguirá priorizando a conquista do direito a acesso terrestre para os guaranis, assim como o direito de que a comunidade ocupe aquele espaço com propriedade”, completou.
O Cacique Geral do estado, José Cirilo Pires lembrou que os Guarani Mbyá são povos originários da terra e que tem, portanto, direito de retomar espaços livres. “Não estamos pedindo favor às autoridades, estamos aqui mostrando quem somos. Buscamos melhoria na vida, precisamos de espaço para cultivar nossas sementes, cultura, tradição. Não podemos esperar, porque ninguém vai nos oferecer terras. Não precisamos de confronto; queremos apenas que as autoridades nos olhem diferente”, disse o Cacique.
Silvio Jardim, do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, lembrou que a iniciativa de retomar determinados locais parte da postura de lutas dos indígenas, e que “ninguém os leva pela mão”. Ele detalhou a situação da comunidade da Ponta do Arado, que considera estar em “crise humanitária permanente”, pela falta de condições básicas. “Só há acesso de barco. Os órgãos responsáveis pela saúde indígena deveriam estar lá permanentemente e exigir entrada por terra. Além disso, houve inclusive tiroteios no local, como forma de coerção moral”, contou.
Pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Carlos D’Elia ressaltou que há desrespeito à Constituição no que tange aos direitos dos indígenas e à dívida histórica da civilização com estes povos. “O nível de agressividade que os Mbya Guaranis estão sofrendo é muito alto”, disse. Ele contou que aguarda resposta do Comando Geral da Brigada Militar sobre a possibilidade de disponibilização de um barco dos bombeiros para a condução de mantimentos e acesso de indígenas à comunidade. Também solicitou que a CCDH reforce o pedido de que a BM apure as ocorrências de ameaças e violência no local, assim como dê atenção à Medida Provisória 886/2019, do governo federal, que transfere a titularidade de terras indígenas ao Ministério da Agricultura.
Leonardo Mbyá- Guarani salientou que é difícil para os indígenas compreenderem o sistema atual, porque o modo de vida da tribo é muito diferente. “Os mais velhos sempre perguntam: ‘por que brigam conosco? Por que não deixam a gente em paz? A terra é de todos’. Eles não têm compreensão imobiliária, monetária”, explicou. O indígena lembrou, no entanto, que já existem leis que garantem os direitos destes povos, mas que “não saíram do papel”.
O antropólogo da UFRGS, José Otávio Catafesto denunciou que o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem autorizado empreendimentos em áreas guaranis. “Recentemente, eles licenciaram um projeto de arqueologia na comunidade Ponta do Arado, sem incluir os indígenas, retirando-os do local, onde escavaram, encontraram e recolheram peças de artesanato indígenas no solo, o que ironicamente prova que as terras pertenceram aos índios originalmente”, narrou.
Representando a Funai, o indigenista Caio Hoffmann informou que já encaminharam à sede da Fundação, em Brasília, pedido para permissão do acesso dos índios por terra à comunidade, mas que ainda não obtiveram resposta do órgão. “A Funai está aberta a receber informações que ajudem a reforçar a caracterização da territorialidade daquela Retomada”, informou.
A Dr.ª Julia Verardi, do Ministério Público da União acompanha o caso dos Mbyá-Guarani há um ano. Ela contou que o primeiro processo de reintegração da área foi ajuizado na justiça comum e que o MPU remeteu à Justiça Federal, mas só há dois meses foi acolhido naquela instância. “Há uma semana requeremos o acesso à comunidade por terra, mas ainda não obtivemos resposta”, lamentou.
Por fim, o deputado Jeferson incluiu as Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado no Grupo de Trabalho da Retomada Ponta do Arado. “Vamos ficar atentos a outras comunidades que já têm decisões judiciais favoráveis aos Guaranis para que, enfim, sejam regulamentadas”, concluiu o parlamentar.
Texto: Andréa Farias (MTE 10967)