Nesta terça-feira (23), quando o Brasil comemorava o dia de São Jorge e o mundo todo vibrava com o Dia Internacional do Livro – ambos símbolos da luta e do esclarecimento –, decidiu-se fechar o parlamento gaúcho à audiência popular, montando um cerco composto por brigadianos da polícia de choque, blindados e gradis para que o povo não pudesse acessar aos debates que lá se realizaram.
O paradoxo evidente chamou mais a atenção do que as centenas de funcionários públicos que se aglomeraram em frente ao Palácio Farroupilha (sede do parlamento) para protestar contra a votação cujo objetivo fundamental, entretanto, mantinha coerência, com a conduta avessa à democracia demonstrada por quem decidiu fechar a Casa parlamentar.
Protegidos da presença do povo (apenas uns poucos com acesso à senhas puderam ingressar), uma parcela do parlamento poderá desferir um golpe histórico na prática democrática do plebiscito, que os gaúchos fizeram constar na sua Constituição (enviei este artigo antes da votação definitiva por conta dos prazos editoriais).
O plebiscito para autorizar privatizações, um instrumento fundamental de consulta popular incluído na Constituição Estadual em 2002, por força e luta do povo gaúcho, foi a forma encontrada para impedir que elites políticas e econômicas, mancomunadas em governos de ocasião, pudessem, a seu bel prazer, dispor de bens públicos para a realização de interesses privados.
Assim, o instrumento do plebiscito foi uma forma de defesa da população para que não se repetisse a prática que marcou definitivamente o mal lembrado governo Britto (que, aliás, reunia já naquela época PSDB, MDB e PTB em seu núcleo duro), que vendeu parte da CEEE e toda a CRT, queimando patrimônio, enriquecendo capitalistas e endividando ainda mais o Rio Grande do Sul.
A maioria que se constituiu contra a democracia entristece e humilha o povo gaúcho. As privatizações das empresas públicas são um erro conjuntural, já que se tratam de empresas que podem gerar dividendos ao Estado em caso de boa gestão (como foi feito em governos recentes), e também representam um erro histórico, já que retiram do Estado instrumentos que são estratégicos para a implantação de política públicas que visam ao desenvolvimento.
A CEEE, a CRM e a Sulgás são empresas geradoras e distribuidoras de energia. Há algum capital mais estratégico do que a energia? Uma resposta míope a esta pergunta é que fundamenta toda a política dos governos neoliberais, sejam eles capitaneados por tucanos ou emedebistas.
Muitos argumentos podem ser usados contra esta escolha entreguista. Já falamos muitas vezes sobre o assunto. Entretanto, neste momento, nem é a questão da polarização entre os que defendem privatizar e os que são contra. O tema, agora, é como isso se resolve? De que forma se constitui a legitimidade democrática a esta escolha do governo?
O plebiscito é o único caminho para que uma eventual privatização possa estar assentada em legitimidade popular. Um governo democrático, como se sabe, não pode agir como bem quiser; precisa cumprir a Constituição, precisa respeitar o povo, precisa ser transparente em suas decisões, precisa se amparar na vontade do povo para tomar suas decisões.
O fim da exigência do plebiscito é em tudo contrário aos valores democráticos que o povo gaúcho adotou para o seu convívio social. Em verdade, trata-se de uma traição ao povo. E o povo sempre sabe responder aos traidores.
Luiz Fernando Mainardi – líder da bancada do PT na AL.
Publicado no Jornal Minuano em 24 de abril de 2019