Começou em clima tenso a audiência pública promovida nesta terça-feira (19) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) protocolada pelo governador Eduardo Leite, solicitando que a Assembleia Legislativa suprima da Constituição do Estado a obrigatoriedade de realização de Plebiscito para a venda da CEEE, CRM e Sulgás. O acesso ao plenarinho, onde ocorreu o debate, foi limitado a 20 funcionários das estatais e os demais tiveram de assistir em um telão instalado no Teatro Dante Barone. A audiência pública foi proposta pelo líder da bancada, deputado Luiz Fernando Mainardi, em nome da bancada petista na ALRS.
Mainardi lembrou que o tema das privatizações é recorrente no estado há alguns anos e é sempre invocado como solução para resolver o problema das finanças, mas a venda de patrimônio nunca resolveu nada e ainda deixou os gaúchos com péssimos serviços prestados. “A sanha privatista começou no governo de Antonio Britto, quando privatizou a CRT, dois terços da CEEE e também sumiu com a Caixa Econômica Estadual, dentro da ideia de diminuir o tamanho do Estado, repassando à iniciativa privada estruturas importantes para o desenvolvimento do RS e o que restou para nós foram péssimos serviços de distribuição de energia e de telefonia”. O parlamentar também lembrou que a CRM é responsável pelo desenvolvimento de uma parte do Estado, assim como a Sulgás responde por outra grande parte. “Não podemos subtrair o direito da população. Essa é uma decisão que interessa não só aos servidores, mas à população gaúcha como um todo”, defendeu.
O deputado Pepe Vargas, que era deputado estadual em 1996, quando o então governador Antônio Britto (à época, no MDB) encaminhou para a Assembleia Legislativa, nos últimos dias do ano legislativo, uma PEC solicitando autorização para a venda de estatais, recorda que o argumento era de que a medida era necessária para sanar as dívidas do estado. “A proposta foi votada no dia 23 de dezembro e sancionada logo a seguir, a população foi privada de discutir como queriam a CRT e a CEEE. O governo prometeu, mas não resolveu o problema de caixa e agora se venderem o resto, estarão criando o monopólio da CPFL, que é uma estatal chinesa, que controla a RGE (Rio Grande Energia)”. Pepe também defendeu a atração de investimentos para o Estado. “Abram concessão para quem quer investir na geração de energia. Agora querem apenas entregar a distribuição. Esse é o maior capitalismo sem risco”, disparou, concluindo com a recordação de que o então candidato ao governo, Eduardo Leite, garantiu em entrevista no dia 3 de setembro de 2018, que dentro de seis meses encaminharia o plebiscito. Mesmo prazo em que acertaria a folha. “Gostaria que o governador cumprisse a palavra dada porque é muito ruim para a democracia quando um eleito não cumpre o que promete”.
O inconformismo com a realização da audiência pública no plenarinho, um espaço limitado, em vez de no teatro Dante Barone, onde centenas de servidores acompanharam por um telão foi manifestada pelo deputado Jeferson Fernandes. “Ao menos o direito ao debate não se pode tirar das pessoas. Temos que seguir princípios e não há direito mais sagrado que o da participação e nós, deputados fomos eleitos para representar o povo, mas não para substituí-lo”, argumentou, lembrando que dois terços da população não tem serviços prestados pela CEEE, mas está cansada da péssima qualidade dos serviços prestados pela empresa privada.
Sem acordo quanto ao mérito
Embora o papel da CCJ seja analisar a constitucionalidade das matérias, o tema das privatizações também suscitou debates sobre o mérito da proposta do governo. O deputado Mainardi, por exemplo, defendeu que a dívida da CEEE com o ICMS precisa ser apurada, pois ao final do governo Tarso estava em R$ 103 mil e no final de 2018 já estava em mais de R$ 800 milhões. Mainardi também lembrou que no final do governo, Sartori tentou casar o plebiscito com as eleições. O candidato Leite, por sua vez, percebeu que não servia, então orientou o partido a votar contra o plebiscito naquelas condições, mas agora, no governo, muda de ideia. “Para comprar, não se precisa pedir autorização para o cônjuge, mas para vender sim. O governo quer que nós, deputados, nos separemos do povo”.
A contradição entre os que defendem o estado mínimo também foi abordada pelo deputado Zé Nunes, que lembrou que a história se repete, assim como nos governos Britto e Yeda Crusius e José Ivo Sartori, quando diziam que o Estado não teria condições de funcionar diante do tamanho da dívida e que as empresas públicas eram peso para o governo. “Mas quanto dos recursos das empresas públicas vão para pagar os nossos servidores? O estado pega dinheiro das empresas públicas e limita a sua capacidade de investimentos”, ponderou.
A deputada Sofia Cavedon invocou o cumprimento da lei, visto que a Assembleia Legislativa regulamentou a Constituição ao determinar os casos em que o plebiscito é necessário. “Não é possível que venham aqui e digam que nossas empresas públicas são um fusquinha velho, pois tem muita gente querendo comprar este fusquinha”.
Trabalhadores mobilizados
Mesmo sem conseguir entrar no plenarinho, onde a audiência pública foi realizada, os servidores das estatais estiveram representados por sindicalistas, como o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, que reclamou da decisão de limitar o acesso, mas sobretudo a postura da comissão de querer mudar as regras para cada situação. “O sinal não pode ser trocado. A democracia se completa é com a consulta. Além do mais, o problema é de ordem tributária e não se resolve com a venda de patrimônio, pois sabemos que as empresas dão resultados e seus recursos são utilizados para pagar muitos professores”.
A presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio Grande do Sul, Angela Von Muhlen, afirmou que a proposta do governo é um ataque à Constituição Federal e à soberania popular. Sustentou também que este é um debate que perpassa a seara financeira. “A PEC que resultou na obrigatoriedade de plebiscito era justificada pela democracia, mas essa PEC agora tem como argumentos a crise, a gestão financeira, atraso de salários e a necessidade de investimentos em saúde e educação, mas então entendo que esse pode ser um argumento para chamar o plebiscito e não para retirar a sua obrigatoriedade”, justificou.
Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)