sexta-feira, 22 novembro
Reprodução

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região acaba de publicar seu primeiro acórdão declarando inconstitucionalidade da Reforma Trabalhista. A 6ª Turma do Regional Gaúcho reconheceu ser o dispositivo reformado que autoriza o autor da ação a pagar honorários advocatícios sucumbenciais incompatível com Carta Magna, pois afronta o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), bem como todos os direitos sociais estatuídos no art. 7º da Constituição. Acolheu-se a arguição de inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, constante do § 4º do art. 791-A da CLT, com redação da Lei 13.467 de 13.07.2017.

Trata-se do processo 0020024-05.2018.5.04.0124 (ROPS) e teve julgamento unânime pelo colegiado.

Em voto de relatoria, a Desembargadora Beatriz Renck, ex presidente da Corte, afirmou que impor limites e/ou condições ao benefício da gratuidade da Justiça implicaria reconhecer-se a possibilidade de supressão de via por meio da qual o trabalhador dispõe para buscar a garantia dos seus direitos fundamentais. A magistrada também fundamentou seu voto utilizando as razões expostas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766 DF proposta pela Procuradoria-Geral da República.

Seguindo-se a cláusula de reserva de plenário, o julgamento de mérito do recurso foi subrestadado, até que a questão de constitucionalidade seja analisada pelo Tribunal Pleno.

Leia aqui a íntegra do acórdão:

PROCESSO nº 0020024-05.2018.5.04.0124 (ROPS)
RECORRENTE: RENATO ROCHA
RECORRIDO: A A BERBIGIER CONSTRUCOES – EPP
RELATOR: BEATRIZ RENCK
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho
da 4ª Região: por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do autor para acolher a
arguição de inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda
que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, constante do § 4º do art.
791-A da CLT, com redação da Lei 13.467 de 13.07.2017, e, na forma do disposto no art. 143
do Regimento Interno deste Tribunal, assim como dos arts. 948 e 949 do CPC, submeter a
apreciação do Tribunal Pleno, restando sobrestado o julgamento dos demais itens do recurso.
Intime-se.
Porto Alegre, 22 de agosto de 2018 (quarta-feira).
RELATÓRIO
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Razões de decidir.
RECURSO DO AUTOR. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 791-A, § 4o DA CLT E DO
PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL E LEGAL.
O reclamante se insurge contra a sentença quanto à condenação ao pagamento de honorários
sucumbenciais nos termos do art. 791-A da CLT, ao argumento de que o artigo viola diversos
direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988.
A propósito, a decisão, no aspecto, foi no seguinte sentido: […]

Considerando os critérios legais estampados nos incisos do §2º do artigo 791-A,
arbitro os honorários advocatícios em 10% sobre os valores objeto de
condenação (intervalos intraturnos no valor de R$ 768,85) para o procurador do
reclamante e de 10% sobre o valor dos pedidos rejeitados (R$ 12.068,68,
considerando a soma dos valores indicados nos pedidos “a”, “b”, “c”, “e”, “f”, “g”
do rol) para o procurador do reclamado. A reclamada é responsável pelo
pagamento dos valores ora fixados a título de honorários para o procurador do
autor, ao passo que o reclamante é o responsável pelo pagamento dos valores
ora fixados a título de honorários para o procurador da ré. Destaco que, nos
termos da parte final do §3º do artigo 791-A, é vedada a compensação entre os
honorários de sucumbência recíproca. Ressalto que a aplicação do artigo 791-A,
§4º será analisada na fase de execução (momento processual adequado).
[…]
Defende a inconstitucionalidade da decisão por lhe impor responsabilidade pelo pagamento de
honorários de sucumbência, ainda que beneficiária da justiça gratuita é, sem sombra de
dúvidas inconstitucional, pois fere de morte os mais lídimos preceitos constitucionais e legais.
Argumenta que, sendo comprovadamente hipossuficiente, eventual condenação desta ao
pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais ou honorários periciais irá lhe tolher de
perceber verba trabalhista, cuja natureza é alimentar, o que afronta o princípio da dignidade da
pessoa humana, estatuído no art. 1º, III da Constituição Federal, bem como todos os direitos
sociais estatuídos no art. 7º da Magna Carta.
Reporta-se aos procedimentos adotados na Justiça Federal, onde a obrigação do pagamento
de honorário sucumbenciais, honorários periciais e custas processuais resta inexigível quando
a parte litigante demanda sob o pálio da Gratuidade da Justiça, como é o caso dos autos.
Assevera, em síntese que a condenação do recorrente ao pagamento de honorários
sucumbenciais afronta a literalidade do art. LXXIV, da CF/88 que assim dispõe: LXXIV – o
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos;”. Ademais, enfatiza que a Constituição Federal veda o retrocesso social e as
disposições legais supracitadas, oriundas da reforma trabalhista, são, extreme de dúvidas
totalmente em prejuízo do trabalhador, algo que é vedado ao legislador infraconstitucional.
Diante de todo o contexto apresentado, requer a declaração da inconstitucionalidade dos art.
791-A, §4º, da CLT, especificamente no trecho em que obriga a parte autora ao pagamento aos
ônus da sucumbência, ainda que em gozo do benefício da Gratuidade da Justiça, uma vez que
tais dispositivos ferem literalmente os princípios basilares da Constituição Federal de 1988 nos
termos da fundamentação recursal.
A declaração de inconstitucionalidade buscada está fundada, em síntese, no confronto desse
dispositivo (inseridos com a promulgação da Lei 13.467/2017) com o direito fundamental à
assistência judiciária integral e gratuita garantida no art. 5ª, LXXIV da CRFB, com repercussão

com o direito fundamental de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV da CRFB). É que nos termos do
inciso LXXIV do art 5º da CF/88, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de recursos.”, assim como, conforme inciso XXXV do mesmo
artigo ” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
O confronto entre as limitações impostas pela texto do lei ordinária e os preceitos
constitucionais mostra-se evidente e têm se refletido nas argumentações recursais desde que,
à luz da nova legislação, têm sido impostos ônus decorrentes da sucumbência parcial dos
demandantes a despeito da concessão da assistência judiciária gratuita, como ocorre no caso
concreto.
A assistência judiciária gratuita consolidou-se historicamente como garantia de status
constitucional e está também amparada em tratado internacional do qual o Brasil é signatário,
como expresso no art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica. Internamente, na
regulamentação da Lei 1.060/1950 e, no âmbito trabalhista, na Lei 5.584/70., assim como, a
partir de 2015, nos artigos 98 e seguintes do Novo Código de Processo Civil.
A relevância do instituto relaciona-se diretamente com o direito de acesso à Justiça, em
especial no Direito do Trabalho em que partes situam-se em planos desiguais do ponto de vista
material, corolário essencial do Princípio da Proteção. Impor limites e/ou condições ao benefício
da gratuidade da Justiça implicaria reconhecer-se a possibilidade de supressão de via por meio
da qual o trabalhador dispõe para buscar a garantia dos seus direitos fundamentais.
Nesse sentido, reporto-me aos fundamentos bem lançados no parecer do Ministério Público no
processo 0020068-88.2018.5.04.0232 no qual é suscitada a inconstitucionalidade de outros
dispositivos correlatos que impõem limitação à concessão plena do benefício da assistência
judiciária gratuita:
Como já referido, o parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT estabelece que haverá
condenação em honorários sucumbenciais mesmo quando o vencido seja
beneficiário da justiça gratuita. O crédito do advogado ficará, porém, em condição
suspensiva de exigibilidade, à semelhança do que ocorre no processo civil (artigo
98, § 3º, do CPC), e somente poderá ser executado se, nos dois anos
subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, o credor demonstrar que
desapareceu a condição de miserabilidade. Ocorre que a norma também prevê
que a suspensão de exigibilidade não se aplica quando o beneficiário da
gratuidade da justiça tiver obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos
capazes de suportar a despesa. É nesse último aspecto que, no entender do
Ministério Público, o dispositivo viola a Constituição Federal, por ser impossível
fazer uma leitura compatível do mesmo com os seguintes dispositivos
constitucionais:
Art. 5º (…)

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos;
Art. 7º (…)
X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
Ora, se a assistência jurídica prestada pelo Estado deve ser integral, o
beneficiário não pode ser condenado a arcar com honorários sucumbenciais,
sobretudo através de compensação com parcelas de natureza salarial e ,
portanto, de caráter alimentar. Tais limitações inegavelmente obstam o direito de
acesso à justiça ao cidadão em situação de miserabilidade.
Nesse sentido, cabe destacar o ajuizamento da ADI 5766, pela
Procuradoria-Geral da República, em que se questiona a constitucionalidade do
referido dispositivo. Pronunciando-se na referida ação direta, o Ministro Edson
Fachin abriu divergência em relação ao voto do relator, Ministro Luis Roberto
Barroso, e posicionou-se pela procedência do pedido, sustentando que os
dispositivos questionados mitigaram o direito fundamental à assistência judicial
gratuita e o direito fundamental ao acesso à Justiça. (…)
E, a propósito do citado voto, subsidio-me dos fundamentos nele adotados pelo Ministro do
Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, durante o julgamento de Ação Direta de
Inconstitucionalidade 5.766 DF proposta pela Procuradoria-Geral da República, que aborda o
tema de forma sistemática e exaustiva:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.766 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
REQTE.(S) :PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO (….)
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade contra dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas,
inseridos pela Lei 13.467/2017, que mitigaram, em situações específicas que
enumera, o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º,
LXXIV, da CRFB) e, consequentemente, o direito fundamental de acesso à
Justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB).
Nas razões da presente ação, subscrita pela Procuradoria-Geral da República,
argumenta-se que os dispositivos impugnados (art. 790-B, caput e §4º; 791-A,
§4º, e 844, §2º, da CLT), todos inseridos pela Lei 13.467/2017, no âmbito da
reforma trabalhista, padecem de Cópia ADI 5766 / DF inconstitucionalidade

material, pois impõem restrições inconstitucionais às garantias fundamentais de
assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV) e do acesso à Justiça (art.
5º, XXXV), afrontando também os princípios fundamentais da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), os
objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I) e de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como de
redução das desigualdades sociais (art. 3º, III), além de afronta ao direito
fundamental à isonomia (art. 5º, caput).
A ação submetida à análise desta Suprema Corte aduz a inconstitucionalidade de
restrições impostas ao direito fundamental à gratuidade e, por consequência, ao
acesso à Justiça, perante a jurisdição trabalhista. As situações em que as
restrições foram impostas são as seguintes: a) pagamento pela parte
sucumbente no objeto da perícia de honorários periciais, no caso em que,
mesmo sendo beneficiário da gratuidade, tenha obtido em juízo, em
qualquer processo, créditos capazes de suportar a referida despesa; b)
pagamento pela parte sucumbente no feito de honorários de sucumbência,
no caso em que, mesmo sendo beneficiário da gratuidade, tenha obtido em
juízo, em qualquer processo, créditos capazes de suportar a referida
despesa; e c) pagamento de custas processuais, no caso em que, mesmo
sendo beneficiário da gratuidade, não compareça à audiência sem motivo
legalmente justificável.
Verifica-se, portanto, que o legislador ordinário, avaliando o âmbito de proteção
do direito fundamental à gratuidade da Justiça, confrontou-o com outros bens
jurídicos que reputou relevantes (notadamente a economia para os cofres da
União e a eficiência da prestação jurisdicional) e impôs condições específicas
para o seu exercício por parte dos litigantes perante a Justiça do Trabalho.
Para avaliar se as restrições impostas afrontam, ou não, as normas
constitucionais indigitadas, bem como se constituem restrições 2 Cópia ADI 5766
/ DF inconstitucionais aos próprios direitos fundamentais à gratuidade e ao
acesso à Justiça, torna-se necessário partir da literalidade das garantias
fundamentais em discussão:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (…) LXXIV – o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos.
A proteção constitucional ao acesso à Justiça e à gratuidade do serviços
judiciários também encontra guarida na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, especialmente da Segunda Turma, que associa tais garantias ao direito
de ter direitos, reafirmando que restrições indevidas a estas garantias
institucionais podem converter as liberdades e demais direitos fundamentais por
elas protegidos em proclamações inúteis e promessas vãs.
E M E N T A: DEFENSORIA PÚBLICA – DIREITO DAS PESSOAS
NECESSITADAS AO ATENDIMENTO INTEGRAL, NA COMARCA EM QUE
RESIDEM, PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PRERROGATIVA FUNDAMENTAL
COMPROMETIDA POR RAZÕES ADMINISTRATIVAS QUE IMPÕEM, ÀS
PESSOAS CARENTES, NO CASO, A NECESSIDADE DE CUSTOSO
DESLOCAMENTO PARA COMARCA PRÓXIMA ONDE A DEFENSORIA

PÚBLICA SE ACHA MAIS BEM ESTRUTURADA – ÔNUS FINANCEIRO,
RESULTANTE DESSE DESLOCAMENTO, QUE NÃO PODE, NEM DEVE, SER
SUPORTADO PELA POPULAÇÃO DESASSISTIDA – IMPRESCINDIBILIDADE
DE O ESTADO PROVER A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL COM MELHOR
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA – MEDIDA QUE SE IMPÕE PARA CONFERIR
EFETIVIDADE À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INSCRITA NO ART. 5º,
INCISO LXXIV, DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA -OMISSÃO ESTATAL
QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS
NECESSITADAS – SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL – O
RECONHECIMENTO,EM FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E
DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO
“DIREITO A TER DIREITOS”COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS
DEMAIS DIREITOS,LIBERDADES E GARANTIAS – INTERVENÇÃO
JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL
DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO
JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART.
5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) (…)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – DEFENSORIA PÚBLICA –
IMPLANTAÇÃO – OMISSÃO ESTATAL QUE COMPROMETE E FRUSTRA
DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS – SITUAÇÃO
CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL – O RECONHECIMENTO, EM
FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À
MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO “DIREITO A TER DIREITOS” COMO
PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, LIBERDADES E
GARANTIAS – INTERVENÇÃO JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE
PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS
NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) –
LEGITIMIDADE DESSA ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS – O PAPEL DO
PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER
PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA
TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA
INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES
ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO
ESTADO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA
“LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CONTROLE JURISDICIONAL DE
LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO 5 Cópia ADI 5766 / DF ESTADO: ATIVIDADE
DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE
OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO
DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL,
VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) –
DOUTRINA – PRECEDENTES – A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA
DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA – “THEMA DECIDENDUM” QUE SE RESTRINGE AO PLEITO
DEDUZIDO NA INICIAL, CUJO OBJETO CONSISTE, UNICAMENTE, na
“criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de
Apucarana” – RECURSO DE AGRAVO PROVIDO, EM PARTE. (AI 598.212/PR,
Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 24.04.2014).
Em artigo doutrinário sobre o direito fundamental à gratuidade da Justiça no
Brasil, Peter Messitte, jurista norte-americano, narra a história da assistência
jurídica gratuita no Brasil, especialmente evidenciando a legislação e os

programas relacionados a esse direito de inegável importância para o
ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. (MESSITTE, Peter. Assistência
Judiciária no Brasil: uma pequena história. In Revista da Faculdade de Direito da
UFMG, p. 126-150.)
Desde a Constituição de 1934, o direito à gratuidade da justiça é reconhecido
como um direito de âmbito constitucional, fazendo parte do regime de garantias e
direitos essenciais para a vida política e social brasileira. Com exceção da
Constituição de 1937, todos os textos constitucionais posteriores reconheceram a
importância de tal prerrogativa aos hipossuficientes econômicos com a finalidade
de garantir-lhes o pleno acesso à Justiça. (MESSITTE, Peter. Assistência
Judiciária no Brasil: uma pequena história. In Revista da Faculdade de Direito da
UFMG, p. 135-138.)
A Lei 1.060/1950 regulamentou o direito à gratuidade da Justiça no plano
infraconstitucional, consolidando as diversas normas sobre assistência jurídica
gratuita, em seu sentido mais amplo. Esta referida lei, que foi parcialmente
substituída por disposições semelhantes do Código de Processo Civil de 2015,
estabelece os requisitos essenciais para o pleno exercício do direito fundamental
por ela regulamentado, tendo sido recepcionada pelas Constituições que lhe
sucederam.
Não se pode deixar de ressaltar que a gratuidade da Justiça apresenta-se como
um pressuposto para o exercício do direito fundamental ao acesso à Justiça. Nas
clássicas lições de Mauro Cappelletti:
O movimento para acesso à Justiça é um movimento para a efetividade dos
direitos sociais, ou seja, para a efetividade da igualdade. Nesta análise
comparativa do movimento de acesso à Justiça, a investigação nos mostra três
formas principais, três ramos principais que invadem número crescente de
Estados contemporâneos. (…) (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad.
Tupinambá Pinto de Azevedo. In Revista do Ministério Público Nova Fase, Porto
Alegre, v. 1, n. 18, p. 8-26, 1985, p. 9)
Dos obstáculos, que comumente são indicados ao acesso à Justiça, os de ordem
econômica costumam ser os primeiros e mais evidentes. Considerando que os
custos da litigação perante o Poder Judiciário são muito altos, e que a jurisdição
cível é bastante onerosa para os cidadãos em geral, verifica-se que há um
afastamento significativo das classes economicamente mais frágeis do acesso à
Justiça institucionalizada.
Ainda as lições de Mauro Cappelletti merecem ser aqui reproduzidas: (…) O
obstáculo causado pela pobreza, sobretudo. Pobreza econômica do indivíduo e
ainda do grupo, e da população, com todas as trágicas consequências da
pobreza econômica, a qual termina por ser, também, pobreza cultural, social e
jurídica. Obstáculos, igualmente, resultantes da complexidade do sistema
jurídico, da distância do governante em relação ao governado, dos abusos que
exigem remédio jurisdicional, abusos individuais mas sempre mais abusos dos
centros de poder econômico e político, no confronto de sujeitos que, amiúde, não
dispõem de instrumentos válidos de proteção. 7 Cópia ADI 5766 / DF Daí o
fenômeno central dos estudos de sociologia e psicologia social, o fenômeno do
sentimento de alienação do cidadão frente aos obstáculos institucionais e legais.
(CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Tupinambá Pinto de Azevedo. In
Revista do Ministério Público Nova Fase, Porto Alegre, v. 1, n. 18, p. 8-26, 1985,
p. 15)

Além da Constituição da República, o direito fundamental de acesso à Justiça
também é protegido por normas internacionais, notadamente pelo artigo 8º da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto
de São José da Costa Rica, que assim dispõe:
Art. 8º Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um
prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.
Trata-se, indubitavelmente, de garantia fundamental cuja previsão em normas
internacionais indica sua dúplice eficácia em nosso ordenamento jurídicoconstitucional,
a reforçar, de forma contundente, a proteção ao direito
fundamental à gratuidade da Justiça. É preciso reconhecer, também, a relação da
gratuidade da Justiça e, consequentemente, do acesso à Justiça, com a
isonomia. A desigualdade social gerada pelas dificuldades de acesso isonômico
à educação, mercado de trabalho, saúde, dentre outros direitos de cunho
econômico, social e cultural, impõe que seja reforçado o âmbito de proteção do
direito que garante outros direitos, especialmente a isonomia.
A restrição, no âmbito trabalhista, das situações em que o trabalhador terá
acesso aos benefícios da gratuidade da justiça, pode conter em si a aniquilação
do único caminho de que dispõem esses cidadãos para verem garantidos seus
direitos sociais trabalhistas.
A defesa em juízo de direitos fundamentais que não foram espontaneamente
cumpridos ao longo da vigência dos respectivos contratos de trabalho, em muitas
situações, depende da dispensa inicial e definitiva das custas do processo e
despesas daí decorrentes, sob pena de não ser viável a defesa dos interesses
legítimos dos trabalhadores.
E, nesse contexto, a Lei 13.467/2017 atualizou, no âmbito da chamada reforma
trabalhista, o modelo de gratuidade da Justiça Laboral, impondo condições
restritivas ao exercício desse direito por parte dos litigantes trabalhadores.
Ainda que sejam consideradas adequadas, necessárias e razoáveis as restrições
impostas ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais à gratuidade e acesso
à Justiça pelo legislador ordinário, duvidosa apresenta-se a sua
constitucionalidade em concreto, ou seja, aquela aferida diante das diversas e
possíveis situações da realidade, em que se vislumbra a consequência de
esvaziamento do interesse dos trabalhadores, que na condição de
hipossuficientes econômicos, não terão como demandar na Justiça Trabalhista,
em virtude do receio de que suas demandas, ainda que vencedoras,
retornem-lhes muito pouco do valor econômico efetivamente perseguido e,
eventualmente, devido. É preciso restabelecer a integralidade do direito
fundamental de acesso gratuito à Justiça Trabalhista, especialmente pelo fato de
que, sem a possibilidade do seu pleno exercício por parte dos trabalhadores, é
muito provável que estes cidadãos não reúnam as condições mínimas
necessárias para reivindicar seus direitos perante esta Justiça Especializada.
Assim sendo, impõe-se, nesse contexto, uma interpretação que garanta a
máxima efetividade desse direito fundamental, sob pena de esvaziar-se, por meio
de sucessivas restrições, ele próprio e todos os demais direitos por ele
assegurados.

Quando se está a tratar de restrições legislativas impostas a garantias
fundamentais, como é o caso do benefício da gratuidade da Justiça e, como
consequência, do próprio acesso à Justiça, o risco de violação em cascata de
direitos fundamentais é iminente e real, pois não se está a resguardar apenas o
âmbito de proteção desses direitos fundamentais em si, mas de todo um sistema
jurídico-constitucional de direitos fundamentais deles dependente.
Mesmo que os interesses contrapostos a justificar as restrições impostas pela
legislação ora impugnada sejam assegurar uma maior responsabilidade e um
maior compromisso com a litigância para a defesa dos direitos sociais
trabalhistas, verifica-se, a partir de tais restrições, uma possibilidade real de
negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores pela imposição de barreiras
que tornam inacessíveis os meios de reivindicação judicial de direitos, o que não
se pode admitir no contexto de um Estado Democrático de Direito.
O desrespeito das relações contratuais, no ambiente laboral, exige por parte do
legislador ordinário que sejam facilitados, e, não, dificultados, os meios
legalmente reconhecidos para que os trabalhadores possam ver garantidos os
seus direitos fundamentais de origem trabalhista.
O benefício da gratuidade da Justiça é uma dessas garantias fundamentais, cuja
finalidade precípua foi, na linha das constituições brasileiras anteriores, dar
máxima efetividade ao direito fundamental de acesso à Justiça por parte dos
titulares de direitos fundamentais que não estejam em condições de arcar com os
custos financeiros de uma demanda judicial.
O conteúdo mesmo do direito à gratuidade da Justiça, cujos requisitos essenciais
para o seu exercício são aferidos, há décadas, na forma da legislação de
regência (Lei 1.060/1950 e, atualmente, c/c Lei 13.105/2015), impõe-se, inclusive
perante o legislador infraconstitucional, como um direito fundamental da parte
que não tem recursos para custear uma demanda judicial. Nas lições de Nelson
Nery Júnior: “(…) Se a lei, atendendo ao preceito constitucional, permite o acesso
do pobre à Justiça, como poderia fazer com que, na eventualidade de perder a
ação, tivesse que arcar com os honorários advocatícios da parte contrária? Seria,
a nosso juízo, vedar o acesso ao Judiciário por via transversa porque, 10 Cópia
ADI 5766 / DF pendente essa espada de Dâmocles sobre a cabeça do litigante
pobre, jamais iria ele querer promover qualquer ação judicial para a garantia de
um direito ameaçado ou violado. (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo
na Constituição Federal. São Paulo : RT, 2013, p.127)
Importante ressaltar que não há inconstitucionalidade no caput do artigo 790-B
da CLT, com a redação da Lei 13.467/2017, quando admite a possibilidade de
imputação de responsabilidade ao trabalhador sucumbente, pois admitir a
imputação é ato distinto de tornar imediatamente exigível tal obrigação do
beneficiário da justiça gratuita. Se cessadas as condições que deu ao trabalhador
o direito ao beneficio da gratuidade da justiça, admite-se a cobrança das custas e
despesas processuais.
Não se apresentam consentâneas com os princípios fundamentais da
Constituição de 1988 as normas que autorizam a utilização de créditos,
trabalhistas ou de outra natureza, obtidos em virtude do ajuizamento de um
processo perante o Poder Judiciário, uma vez que este fato – sucesso em ação
ajuizada perante o Poder Judiciário – não tem o condão de modificar, por si só, a
condição de miserabilidade jurídica do trabalhador. É importante consignar que a
mera existência de créditos judiciais, obtidos em processos trabalhistas, ou de
outra natureza, não é suficiente para afastar a situação de pobreza em que se

encontrava a parte autora, no momento em que foram reconhecidas as
condições para o exercício do seu direito fundamental à gratuidade da Justiça.
Ora, as normas impugnadas que impõem o pagamento de despesas
processuais, independentemente da declaração oficial da perda da condição de
hipossuficiência econômica, afrontam o próprio direito à gratuidade da Justiça e,
consequentemente, o próprio direito ao acesso à Justiça.
Da mesma forma, importante afirmar que o benefício da gratuidade da Justiça
não constitui isenção absoluta de custas e outras despesas processuais, mas,
sim, desobrigação de pagá-las enquanto perdurar o estado de hipossuficiência
econômica propulsor do reconhecimento e concessão das prerrogativas
inerentes a este direito fundamental (art. 5º, LXXIV, da CRFB).
É certo que não se pode impedir o trabalhador, ainda que desidioso em outro
processo trabalhista, quando comprovada a sua hipossuficiência econômica, de
ajuizar outra demanda sem o pagamento das custas processuais.
O direito fundamental à gratuidade da Justiça, notadamente atrelado ao direito
fundamental de acesso à Justiça, não admite restrições relacionadas à conduta
do trabalhador em outro processo trabalhista, sob pena de esvaziamento de seu
âmbito de proteção constitucional.
A conformação restritiva imposta pelas normas ora impugnadas afronta não
apenas o próprio direito fundamental à gratuidade, mas também, ainda que de
forma mediata, os direitos que esta garantia fundamental protege, o que se
apresenta mais concreto com a invocação do direito fundamental ao acesso à
Justiça e dos direitos sociais trabalhistas, eventualmente, desrespeitados nas
relações contratuais respectivas.
O direito fundamental à gratuidade da Justiça encontra-se amparado em
elementos fundamentais da identidade da Constituição de 1988, dentre eles
aqueles que visam a conformar e concretizar os fundamentos da República
relacionados à cidadania (art. 1º, III, da CRFB), da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CRFB), bem como os objetivos fundamentais de construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I , da CRFB) e de erradicação da
pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais
(art. 3º, III, da CRFB).
Apresenta-se relevante, nesse contexto, aqui dizer expressamente que a
gratuidade da Justiça, especialmente no âmbito da Justiça Laboral, concretiza
uma paridade de condições, propiciando às partes em litígio as mesmas
possibilidades e chances de atuarem e estarem sujeitas a uma igualdade de
situações processuais. É a conformação específica do princípio da isonomia no
âmbito do devido processo legal.
As limitações impostas pela Lei 13.467/2017 afrontam a consecução dos
objetivos e desnaturam os fundamentos da Constituição da República de 1988,
pois esvaziam direitos fundamentais essenciais dos trabalhadores, exatamente,
no âmbito das garantias institucionais necessárias para que lhes seja franqueado
o acesso à Justiça, propulsor da busca de seus direitos fundamentais sociais,
especialmente os trabalhistas. Assim sendo, o pedido da presente ação direta de
inconstitucionalidade deve ser julgado procedente. É como voto.”
No caso concreto, ainda que não tenha sido determinado o pagamento desde já dos honorários

sucumbenciais – a aplicação do art. 791-A, § 4º da CLT, na parte que permite a dedução dos
créditos do autor, foi relegada à fase de liquidação – o comando repercute sob a forma de
violação aos efeitos da plena concessão do benefício da assistência judiciária na medida em
que, traduz possibilidade de dedução de custos do processo, de crédito de natureza alimentar
e, nessa premissa, deve ser rechaçado.
Diante dos fundamentos expostos, acolho a arguição de inconstitucionalidade da expressão
“desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de
suportar a despesa”, constante do § 4º do art. 791-A da CLT, com redação da Lei 13.467 de
13.07.2017, e, na forma do disposto no art. 143 do Regimento Interno deste Tribunal, assim
como dos arts. 948 e 949 do CPC, submeter a apreciação do Tribunal Pleno, restando
sobrestado o julgamento dos demais itens do recurso.
BEATRIZ RENCK
Relator
VOTOS
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
DESEMBARGADORA BEATRIZ RENCK (RELATORA)
DESEMBARGADORA MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA
DESEMBARGADOR RAUL ZORATTO SANVICENTE

Fonte: Site Revisão Trabalhista www.revisaotrabalhista.net.br
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