A escalada da violência contra as mulheres no Rio Grande do Sul e a falta de políticas públicas de proteção contra a violência de gênero marcaram a audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) nesta quarta-feira (21/05). Além da recriação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a audiência definiu outros encaminhamentos, entre os quais denunciar o descaso do governo Eduardo Leite à ONU Mulher e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O Colegiado também elencou outras prioridades: preferência aos projetos de lei que dizem respeito à proteção das mulheres do RS e que tenham preferência de votação e agilização no seu processo; audiência junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o descaso com a instalação da Casa da Mulher Brasileira; implementação de campanhas educativas que enfrentem o combate à violência contra a mulher e os feminicídios. Presidente do Colegiado e um dos proponentes da reunião, o deputado Adão Pretto Filho afirmou que o aumento dos feminicídios é resultado da ausência de uma Secretaria de Políticas para as Mulheres.
O parlamentar disse que os índices atuais de violência contra as mulheres são estarrecedores. Ao destacar as iniciativas do governo Tarso Genro, que ampliou as políticas de atendimento às mulheres, o parlamentar afirmou que as forças de segurança pública têm papel fundamental de proteção. “Infelizmente, nosso Estado está tendo uma crescente, uma escalada de violência contra as mulheres e meninas. E isso tem vários fatores. Especialmente na minha visão, é pela ausência do Estado, é pela falta de políticas públicas, pelo desmantelamento da rede de proteção, pela falta de organização, e isso, a centralidade, é o governo do Estado”, afirma.

Ao afirmar que é preciso um grande pacto que pense na proteção da vida das mulheres, a deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), que está à frente da Procuradoria Especial da Mulher na Assembleia Legislativa, destacou que o mês de abril fechou com um aumento de 1000% nos casos de feminicídios em relação ao mesmo período do ano passado. E criticou a ausência de representantes do governo na audiência. Ela afirmou que a comissão solicitou dados sobre a violência no Estado, os investimentos para coibir os feminicídios e a situação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).
“Não tem orçamento, não tem planejamento, não tem estratégia, não tem protocolo. E aí quando a gente vai, é até difícil, porque aquelas mulheres não são as responsáveis pela política pública. Elas são executoras, mas quando tu não tens instrumento, não se executa. E aquelas mulheres não têm instrumento. Porque nós estamos falando, inclusive, coisas tão básicas, estamos falando da rede de Wi-Fi que não existe”, compara, ressaltando que o governo sequer se manifesta sobre o tema.
Segundo Bruna, existem 2 mil tornozeleiras à disposição, mas apenas 300 estão sendo usadas pelos agressores. “Esse silêncio também é uma resposta. O governador não sabe o que dizer. O governador, mais do que não sabe, não tem o que dizer. Porque faz sete anos que ele governa esse Estado, e há sete anos ele está de costa para as mulheres. Há sete anos nesse Estado não tem política pública para proteger a vida daquelas que precisam”, completa.
A deputada Stela Farias, que foi responsável pela criação da Procuradoria Especial da Mulher na Assembleia Legislativa, critica a postura do governador Eduardo Leite, que teria proibido a participação de agentes da segurança pública na audiência realizada na Assembleia Legislativa. Para a parlamentar, que também assina a proposição de audiência, o governo boicota o debate e impõe a lei da mordaça aos servidores públicos. Conforme Stela, o aumento dos feminicídios é resultado do descaso do governo Leite com o tema.

O líder da bancada do PT/PCdoB na Assembleia Legislativa, deputado Miguel Rossetto, critica a ausência do governo do Estado na audiência pública pois, para ele, não há nada mais importante que a vida. “O silêncio ou a omissão não podem ser respostas, pois neste assunto em se tratando da vida de mulheres o silêncio e omissão se confundem com conivência e ela é intolerável e inaceitável quando se fala da vida”, afirma. O parlamentar salientou o compromisso da Federação Brasil da Esperança com o tema e lembrou das experiências positivas no combate ao feminicídio nos governos de Olívio Dutra e Tarso Genro.
“Temos uma experiência de governo e queremos compartilhar com vocês iniciativas que possam contribuir com o fim deste massacre”, disse, acrescentando que a bancada vem trabalhando para buscar a reconstrução da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que vai articular o acolhimento e a prevenção, e articulando um esforço parlamentar e para criar um bloco de deputados que combatem a violência contra as mulheres para aprovar os projetos que busquem acabar com a violência contra as mulheres. “Fazer com que a Assembleia Legislativa responda com a urgência necessária e com a potência possível iniciativas que possam impedir a continuidade deste padrão de violência contra as mulheres inaceitável aqui no RS”.
A deputada Sofia Cavedon defende que é preciso pensar coletivamente sobre como tratar esse tema. A deputada que foi procuradora da mulher em 2022 quando já se falava na adoção de medidas universais de acesso à proteção, de campanhas de informação, comunicação e educação permanentes que abordem o tema da violência, do feminicídio e do machismo. Ela sugeriu ainda que a audiência deveria declarar o RS como Estado de emergência e inseguro para as mulheres.
“O governo tinha que estar aqui. As mulheres não têm autorização nem recursos nem uma política para a prevenção da violência contra as mulheres então aqui tem o rechaço e a tentativa de mascaramento dos dados sobre os feminicídios”, frisou. Para Sofia há uma negação desta existência pelos governos porque milhares de cartilhas existem, mas são desconsideradas. “Quando Rosa Luxemburgo diz que ‘quem não se movimenta não sente as correntes que a oprime’ significa que a morte de mulheres é porque nós estamos nos movimentando e as correntes estão apertando em cima de nós. A negação de que isso é real é inaceitável”, disse.
Para o deputado Jeferson Fernandes, o feminicídio é um dos crimes mais difíceis de se combater na medida em que há inclusive um discurso de deboche por parte da sociedade. “Todo mundo já viu aqui algum homem que se apresenta como super macho e diz que se trata de mimimi das mulheres a queixa contra a violência. Até autoridades públicas que deveriam agir em proteção ao que está na lei começa a fazer coro a este discurso misógino”, pontua.
Segundo ele, quanto mais os números se apresentam, maior é a quantidade de feminicídios. “Tratar do criminoso pura e simplesmente com o método que tratamos não funciona. É muito comum os homens dizerem que o sujeito que está cumprindo pena não tomou consciência da gravidade do que fez e o problema maior é o não acolhimento da vítima. Tanto que é o Ministério Público que assume o papel em nome de uma ofensa que teria sido ao Estado”.
Texto: Claiton Stumpf (MTE 9747) e Felipe Samuel (MTE 12.344)
Foto: Kelly Demo Christ