A Comissão Especial da Assembleia Legislativa criada para debater o pagamento do piso salarial da enfermagem gaúcha – incluindo técnicos, auxiliares e parteiras – e condições de trabalho dos profissionais de saúde no RS, realizou na noite de quinta-feira (8), no plenário da Câmara de Vereadores de São Gabriel, mais uma audiência pública regional para levantar a real situação da categoria nesses dois quesitos. Nesta sexta-feira (9), será a vez da etapa São Borja e região realizar a atividade.
O encontro em São Gabriel, o quarto de um total de 13 audiências que serão organizadas até agosto em todas as macrorregiões da saúde no estado, contou com a coordenação do deputado Valdeci Oliveira, proponente da criação da Comissão Especial, e reuniu representações sindicais de trabalhadores, da gestão pública e parlamentares. Na audiência de São Gabriel, assim como em Cruz Alta, Pelotas e Bagé, foi reforçada a cobrança pelo cumprimento integral da Lei do Piso (Lei 14.432/22), que prevê o mínimo de R$ 4.750 a ser pago à enfermeiras e enfermeiros, 70% desse valor (R$ 3.325) a técnicos e 50% a auxiliares e parteiras (R$ 2.375). Na prática, o que vem acontecendo, segundo apontamento dos profissionais de saúde e sindicatos, é que o valor para se atingir o Piso Nacional está sendo pago por um complemento salarial e sobre essa diferença não incidem direitos como FGTS, férias e adicionais como insalubridade ou por trabalho noturno. E para efeitos de aposentadoria, o valor considerado é o salário registrado no contracheque e não o total com o complemento posteriormente pago em folha suplementar.
Segundo as manifestações dos dirigentes presentes, as dificuldades enfrentadas pela enfermagem para receber o piso de forma integral são resultantes de interpretações distintas da lei feitas por quem emprega, sejam eles entes públicos ou não. Levada ao STF pela Confederação Nacional da Saúde, que representa os hospitais privados brasileiros, que ao longo de décadas vem atuando contra a regulamentação salarial da enfermagem, o Supremo julgou pela constitucionalidade da lei, mas decidiu que cabe à União a obrigação de garantir aos estados, municípios e às entidades filantrópicas (que atendem no mínimo 60% via SUS) a diferença para se chegar ao valor do Piso. No caso do setor privado, isso se dá por negociação coletiva regionalizada entre patrões e sindicatos, o que oferece vantagem às instituições empregadoras. Desde sua implementação, o Ministério da Saúde já repassou mais de R$ 20 bilhões via Assistência Financeira Complementar (AFC) aos entes federados para que realizem o pagamento do piso dos trabalhadores da categoria, que responde por 60% de toda força de trabalho da área da saúde.

Questões relacionadas à gestão do processo também foram elencadas como causa dos problemas enfrentados pelos trabalhadores, uma vez que não teria havido a preocupação necessária para operar o repasse dos valores. “O governo Federal está dando os recursos, mas os poderes públicos municipais e estadual não se preparam adequadamente para isso”, destacou Antônio Ricardo Tolla, presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren/RS), citando como exemplo o caso de Novo Hamburgo, onde os profissionais, ao realizarem horas-extras, acabam tendo o valor destas descontado do complemento a que têm direito para alcançar o valor previsto em lei. “Estão devolvendo essa diferença ao Ministério da Saúde? Onde está esse dinheiro?, indagou.

Na discussão entre se o problema reside na falta de gestão ou na ausência de recursos suficientes, Milton Kempfer, presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do RS (Feessers), avalia que ambos caminham juntos. “Ainda não temos o financiamento adequado do sistema de saúde que temos, que é o melhor do mundo, onde todos são tratados de forma igual em todos os níveis de atenção. E há o fato que se admite que a saúde pública seja paga por produção e por tabela de procedimento. Isso é tornar a saúde mera mercadoria”, protestou, uma vez que a prática torna oportuno que hospitais escolham fazer cirurgias que pagam mais em detrimento de outras menos atraentes em termos financeiros. Kempfer ainda analisou o fato de o trabalho em saúde ser penoso, que castiga e adoece quem o executa.
ESFs – Também surgiu durante os debates, a necessidade de haver 3 enfermeiras em cada equipe de saúde da família (ESFs), que hoje contam com apenas uma profissional. “A questão da saúde ainda é muito falada, mas pouco planejada. Mas nós, enquanto Parlamento, continuaremos a fazer a nossa parte. Não estamos aqui apenas discutindo os direitos dos enfermeiros, dos técnicos e dos auxiliares, estamos discutindo também a saúde para toda a população. E se melhorarmos as condições de trabalho desses profissionais vamos melhorar a situação para todo mundo”, finalizou Valdeci, convidando categoria a se mobilizar e participar das próximas audiências
PRÓXIMAS AUDIÊNCIAS – Além de São Borja, nesta sexta-feira (9), também deverão sediar os debates as cidades de Caxias do Sul, Cachoeira do Sul, Erechim, Passo Fundo, Porto Alegre, Santa Rosa, Santa Maria e Tramandaí. Conjuntamente às audiências públicas, estão sendo realizadas visitas técnicas em estabelecimentos de saúde, cujas informações constarão no relatório a ser apresentado em agosto com sugestões e indicativos a gestores públicos, estado e, se for o caso, à própria União, tanto para o cumprimento da legislação como por garantia de condições dignas de trabalho.
Também participaram do encontro, o presidente do Legislativo gabrielense, Elson da Silva Teixeira, o vereador Éder Jofre Barboza; Itamar Pacheco, da assessoria do vice-presidente da Comissão Especial, deputado Issur Koch; a coordenadora de Recursos Humanos da Santa Casa de São Gabriel, Camila Brum; e Luiz Fernando Almeida, do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde (Sindac), entre outras representações.
Fotos: Christiano Ercolani/ALRS