sexta-feira, 09 maio
 
 
 

A Comissão Especial da Assembleia Legislativa criada para debater o pagamento do piso salarial da enfermagem gaúcha – incluindo técnicos, auxiliares e parteiras – e condições de trabalho dos profissionais de saúde no RS, realizou na noite de quinta-feira (8), no plenário da Câmara de Vereadores de São Gabriel, mais uma audiência pública regional para levantar a real situação da categoria nesses dois quesitos. Nesta sexta-feira (9), será a vez da etapa São Borja e região realizar a atividade.

O encontro em São Gabriel, o quarto de um total de 13 audiências que serão organizadas até agosto em todas as macrorregiões da saúde no estado, contou com a coordenação do deputado Valdeci Oliveira, proponente da criação da Comissão Especial, e reuniu representações sindicais de trabalhadores, da gestão pública e parlamentares. Na audiência de São Gabriel, assim como em Cruz Alta, Pelotas e Bagé, foi reforçada a cobrança pelo cumprimento integral da Lei do Piso (Lei  14.432/22), que prevê o mínimo de R$ 4.750 a ser pago à enfermeiras e enfermeiros, 70% desse valor (R$ 3.325) a técnicos e 50% a auxiliares e parteiras (R$ 2.375). Na prática, o que vem acontecendo, segundo apontamento dos profissionais de saúde e sindicatos, é que o valor para se atingir o Piso Nacional  está sendo pago por um complemento salarial e sobre essa diferença não incidem direitos como FGTS, férias e adicionais como insalubridade ou por trabalho noturno. E para efeitos de aposentadoria, o valor considerado é o salário registrado no contracheque e não o total com o complemento posteriormente pago em folha suplementar.

Segundo as manifestações dos dirigentes presentes, as dificuldades enfrentadas pela enfermagem para receber o piso de forma integral são resultantes de interpretações distintas da lei feitas por quem emprega, sejam eles entes públicos ou não. Levada ao STF pela Confederação Nacional da Saúde, que representa os hospitais privados brasileiros, que ao longo de décadas vem atuando contra a regulamentação salarial da enfermagem, o Supremo julgou pela constitucionalidade da lei, mas decidiu que cabe à União a obrigação de garantir aos estados, municípios e às entidades filantrópicas (que atendem no mínimo 60% via SUS) a diferença para se chegar ao valor do Piso. No caso do setor privado, isso se dá por negociação coletiva regionalizada entre patrões e sindicatos, o que oferece vantagem às instituições empregadoras. Desde sua implementação, o Ministério da Saúde já repassou mais de R$ 20 bilhões via Assistência Financeira Complementar (AFC) aos entes federados para que realizem o pagamento do piso dos trabalhadores da categoria, que responde por 60% de toda força de trabalho da área da saúde.

 
Não bastasse essas questões, o valor previsto em lei, além de ser significativamente inferior ao reivindicado pela categoria, não é vinculado a uma jornada de 30 horas semanais, bandeira histórica do segmento. Para os representantes dos trabalhadores, a aprovação da PEC 19/2024, apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) e relatado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor do projeto do Piso, fundamental para garantir o avanço salarial da categoria e o reconhecimento da profissão pela sociedade. “O fato de os profissionais terem sido ovacionados e homenageados durante a pandemia, parece ter chegado ao fim,” apontaram os dirigentes sindicais. “Na crise da covid-19, esta foi a categoria que mais se expôs, mais enfrentou e esteve na linha de frente 24 horas por dia. Se queremos uma saúde de qualidade, temos que oferecer condições de trabalho e salário digno àqueles que cuidam da gente quando mais precisamos”, completou Valdeci, membro efetivo da Comissão de Saúde do Parlamento gaúcho. Segundo Cassemiro Cruz, presidente do SindiSaúde de São Gabriel, se considerada a soma do salário básico e mais o complemento, praticamente todas as entidades privadas do município pagam o piso, o problema é que ele não vem descrito de forma unificada no contracheque e não há reajuste anual. Férias e salários atrasados, além do não recolhimento do Fundo de Garantia, também são uma constante na realidade local. De acordo com a representante da Secretaria Municipal de Saúde, Saionara dos Santos, a partir de um reajuste salarial negociado no início do ano, a quase totalidade dos enfermeiros e auxiliares teriam alcançado o teto, faltando apenas os técnicos, que para alcançarem o que está previsto em lei precisam de um reajuste do salário básico ainda maior, mas que no momento estariam próximo disso.

Questões relacionadas à gestão do processo também foram elencadas como causa dos problemas enfrentados pelos trabalhadores, uma vez que não teria havido a preocupação necessária para operar o repasse dos valores. “O governo Federal está dando os recursos, mas os poderes públicos municipais e estadual não se preparam adequadamente para isso”, destacou Antônio Ricardo Tolla, presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren/RS), citando como exemplo o caso de Novo Hamburgo, onde os profissionais, ao realizarem horas-extras, acabam tendo o valor destas descontado do complemento a que têm direito para alcançar o valor previsto em lei. “Estão devolvendo essa diferença ao Ministério da Saúde? Onde está esse dinheiro?, indagou.

Na avaliação de Tolla, falta competência administrativa e vontade política para que os profissionais da enfermagem sejam vistos com respeito por tudo que fazem e fizeram. “Colegas dobravam 18 por 36 horas na pandemia, dormiam nos hospitais porque não podiam ir para suas casas, só trocando os leitos de UTI pelas mortes que sucediam, uma atrás da outra. Mas isso se esqueceram, até precisarem novamente”, protestou o dirigente, lembrando ainda se tratar de uma categoria que nacionalmente ultrapassa 3 milhões de pessoas, é majoritariamente feminina (85%) e que no RS 1/3 é composto por mulheres negras (mais de 50% no pais), o que caracterizaria desrespeito e indiferença de gênero. “E tem a questão do INSS, pois se hoje um profissional de um hospital filantrópico se afastar do trabalho a partir de um laudo médico ele receberá o que está registrado em carteira, e não é o piso. O primordial é incluir o complemento no contracheque”, explicou João Gilberto de Menezes Santos, diretor do Sindicato dos Enfermeiros do RS. “Esperar outra pandemia para ser reconhecido? A gente não quer isso, pois já mostramos o nosso valor como profissionais. Queremos respeito”, completou.

Na discussão entre se o problema reside na falta de gestão ou na ausência de recursos suficientes, Milton Kempfer, presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do RS (Feessers), avalia que ambos caminham juntos. “Ainda não temos o financiamento adequado do sistema de saúde que temos, que é o melhor do mundo, onde todos são tratados de forma igual em todos os níveis de atenção. E há o fato que se admite que a saúde pública seja paga por produção e por tabela de procedimento. Isso é tornar a saúde mera mercadoria”, protestou, uma vez que a prática torna oportuno que hospitais escolham fazer cirurgias que pagam mais em detrimento de outras menos atraentes em termos financeiros. Kempfer ainda analisou o fato de o trabalho em saúde ser penoso, que castiga e adoece quem o executa.

ESFs – Também surgiu durante os debates, a necessidade de haver 3 enfermeiras em cada equipe de saúde da família (ESFs), que hoje contam com apenas uma profissional. “A questão da saúde ainda é muito falada, mas pouco planejada. Mas nós, enquanto Parlamento, continuaremos a fazer a nossa parte. Não estamos aqui apenas discutindo os direitos dos enfermeiros, dos técnicos e dos auxiliares, estamos discutindo também a saúde para toda a população. E se melhorarmos as condições de trabalho desses profissionais vamos melhorar a situação para todo mundo”, finalizou Valdeci, convidando categoria a se mobilizar e participar das próximas audiências

PRÓXIMAS AUDIÊNCIAS – Além de São Borja, nesta sexta-feira (9), também deverão sediar os debates as cidades de Caxias do Sul, Cachoeira do Sul, Erechim, Passo Fundo, Porto Alegre, Santa Rosa, Santa Maria e Tramandaí. Conjuntamente às audiências públicas, estão sendo realizadas visitas técnicas em estabelecimentos de saúde, cujas informações constarão no relatório a ser apresentado em agosto com sugestões e indicativos a gestores públicos, estado e, se for o caso, à própria União, tanto para o cumprimento da legislação como por garantia de condições dignas de trabalho.

Também participaram do encontro, o presidente do Legislativo gabrielense, Elson da Silva Teixeira, o vereador Éder Jofre Barboza; Itamar Pacheco, da assessoria do vice-presidente da Comissão Especial, deputado Issur Koch; a coordenadora de Recursos Humanos da Santa Casa de São Gabriel, Camila Brum; e Luiz Fernando Almeida, do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde (Sindac), entre outras representações.

 
Texto: Tiago Machado – MTE 9.415 Marcelo Antunes – MTE 8.511 
Fotos: Christiano Ercolani/ALRS
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