terça-feira, 29 abril

No dia em que uma profissional da saúde de Pelotas foi agredida por familiar de um paciente num hospital local, a cidade sediou, neste sábado (27/04), no plenário da Câmara de Vereadores, audiência pública regional que buscou debater a implementação do piso salarial da enfermagem e as condições de trabalho dos profissionais da saúde em geral. Aprovada em 2022 pelo Congresso Nacional, a lei nº 14.432/22, que instituiu o piso básico da enfermagem, não vem sendo colocada em prática, de acordo com entidades sindicais da categoria, de modo efetivo no Rio Grande do Sul, tanto em hospitais privados e filantrópicos como públicos estaduais e municipais, incluindo aqueles cuja gestão é privada.

Apesar de alguns cumprirem a legislação com o repasse mensal do Ministério da Saúde que é feito a Estados e municípios de valores de complemento para o pagamento do piso, estes ficariam na exceção e não na regra. Terminado o período da pandemia, com homenagens, agradecimentos e lençóis nas janelas, parece que as enfermeiras e enfermeiros, que eram aplaudidos, voltaram à estaca zero”, ilustrou o deputado Valdeci Oliveira, presidente da Comissão Especial criada na Assembleia para discutir o tema. Além do piso, do seu reajuste e de outras questões a ele relacionados, temos aquelas ligadas às condições dignas de trabalho”, destacou Bianca D`Carla da Costa, presidente do SindiSaúde de Pelotas, destacando o ocorrido com a técnica de enfermagem que teria sido agredida durante o expediente por uma pessoa que exigia banho de chuveiro num paciente que não tinha condições físicas para isso.

Sendo que muitas vezes não tem nem funcionários suficientes para atender e exigem uma demanda além do que a equipe pode fazer”, afirmou, adiantando algumas medidas que serão tomadas, entre elas a busca de explicações junto à direção da instituição empregadora e encaminhamento de denúncia ao Ministério Público. “Infelizmente os trabalhadores se sentem coagidos, não chamam a polícia e não fazem boletim de ocorrência, explicou a dirigente. Bianca D`Carla acrescentou, ainda, que o cenário descrito estaria levando a um adoecimento desses profissionais, com diversos relatos de casos de depressão e uso de medicação controlada. Há pessoas que não têm leite para dar para um filho, que todo mês ligam para saber que dia irão receber o piso. É uma tristeza. Temos muito no que avançar, temos de lutar pela criação do fundo da enfermagem e entender as demandas jurídicas que implicam o piso. Mas isso não acontece assistindo televisão ou em grupos de whatsapp, mas ocupando espaços de poder e as oportunidades que temos para nos manifestar, pontuou.

O fundo em questão, previsto na lei, não foi criado, assim como o reajuste anual do valor do piso foi vetado, quando a lei foi sancionada, em 2022, pela gestão Bolsonaro. No ano seguinte, o atual governo liberou R$ 7,3 bilhões e acabou com as restrições orçamentárias para esse fim. Desde sua implementação, o Ministério da Saúde já repassou mais de R$ 20 bilhões via Assistência Financeira Complementar (AFC) da União aos entes federados para que estes realizem o pagamento do piso de trabalhadores da categoria, que responde por 60% de toda força de trabalho da área da saúde. Por mais que tenhamos dados, estatísticas e pesquisas mostrando os afastamentos por adoecimento e a nossa sobrecarga de trabalho, nada disso parece ser suficiente para que se compreenda a importância das nossas lutas. A metade sul do RS tem uma precarização maior da profissão no estado. Temos uma grande conquista com o piso, mas sabíamos o que teríamos que enfrentar para que as instituições conseguissem reconhecer tudo que a gente ainda precisa para torná-lo realidade de fato, avaliou Adrize Ruth Porto, da Associação Brasileira de Enfermagem (Aben/RS).

“Hoje temos consórcios (de municípios) que contratam os colegas por PJ (Pessoa Jurídica) e muitos não recebem a diferença do piso e precisam implorar para receber (o salário), pois também não sabem o dia que vão ser pagos e nem as suas horas trabalhadas”, destacou Fábia Richter, ex-prefeita de Cristal e membro da Comissão Interfederativa do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Pela lei, o piso básico da enfermagem – incluindo técnicos, auxiliares e parteiras – consiste no mínimo de R$ 4.750 a enfermeiros, 70% desse valor (R$ 3.325) a técnicos e 50% a auxiliares e parteiras R$ 2.375. Mas gestores têm interpretado a legislação de forma que acabam criando dificuldades para a efetivação da lei. “Tudo o que a gente quer hoje é o reconhecimento de que somos importantes, sendo respeitados, valorizados, com salário digno e em dia para que nós mesmos possamos nos cuidar, para procurarmos assistência médica, pois não temos plano de saúde dentro de um hospital. Se precisar de uma consulta ou medicamento tem de pagar ou te mandam para uma UPA”, relatou Cristina Batista, técnica de enfermagem e diretora do SindiSaúde de Pelotas, que, mesmo com medo, trabalhou durante toda a pandemia e sem nenhuma falta, na área de oncologia.

“A grande complicação do nosso piso foi desvinculá-lo das 30 horas (jornada semanal) e, pior, ser criado (um valor) que era para ser de R$ 7,5 mil. A proposta do Cofen, em acordo com a patronal, foi para baixar porque eles, os hospitais, não teriam condições de pagar, discussão que temos até hoje. Depois de 40 anos pela luta do piso, a gente ainda tem que dizer quais são as fontes pagadoras e da onde irá sair o dinheiro. E mesmo assim tem muitos lugares que não o implantaram e estão trocando a carga horária para achatar ainda mais a nossa remuneração. E tem muitos municípios e hospitais transformando o piso em teto, ou seja, quem ganhava mais não teve nenhum reajuste em função disso”, avaliou Inara Ruas, secretária-geral do Sindicato dos Enfermeiros do RS, presidente do Conselho Estadual de Saúde e diretora da Federação Nacional dos Enfermeiros. “E parece que virou moda em todo o país. Sei que é prerrogativa do parlamentar ir numa UPA ou num posto de saúde verificar quando há uma queixa. Mas não podem interferir e atrapalhar o nosso trabalho, colocando em risco a saúde de quem está sendo atendido. Tem de existir uma forma de fiscalização sem agredir ainda mais a nossa categoria”, frisou Inara.

Outras manifestações foram feitas pelo plenário da audiência também no sentido da valorização da enfermagem por parte da sociedade e do poder público, queixas por jornadas duplas ou triplas de trabalho, falta de insumos, casos de assédio moral e necessidade de maior participação da própria categoria nos debates e mobilizações em defesa das pautas dos trabalhadores da saúde. “Todas as informações que estamos colhendo farão parte do relatório final, com recomendações a estados, municípios, União e aos empregadores para que o cumprimento da legislação, assim como por garantia de condições dignas de trabalho, seja colocado em prática. A lei precisa ser cumprida”, afirmou Valdeci ao final do encontro.

Essa foi a segunda de uma série de 13 audiências que inicialmente irão acontecer em todas as macrorregiões de saúde do RS). Além de Pelotas, também deverão receber audiências públicas as cidades de Bagé, Caxias do Sul, Cachoeira do Sul, Erechim, Passo Fundo, Porto Alegre, São Borja, São Gabriel, Santa Rosa, Santa Maria e Tramandaí (Cruz Alta realizou a sua em 16 de abril). Juntamente com as audiências, também estão sendo realizadas visitas técnicas em estabelecimentos de saúde públicos, privados e filantrópicos, como foi o caso, no mesmo dia, antes da audiência, da ida da Comissão Especial à Santa Casa de Rio Grande.

Além de representantes do Coren, Sindisaúde, Conselho Estadual de Saúde, do Sindicatos dos Enfermeiros do RS, Bancários, Feessers, Sintrahtur (Sindicato dos Trabalhadores no comércio hoteleiro, bares e turismo), Bancários, profissionais da saúde de Tunas e São Francisco de Paula, participaram do encontro o ex-prefeito de Santana da Boa Vista, Ito Freitas, representações parlamentares como da deputada federal Daiana dos Santos, do deputado e membro da Comissão, Pedro Pereira, do vereador pelotense Ronaldo Quadrado e da vereadora Márcia Lucas, de São Lourenço do Sul.

Texto: Tiago Machado (MTE 9.415) e Marcelo Antunes (MTE 8.511)
Foto: Christiano Ercolani/ALRS

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