terça-feira, 05 novembro

 

Com votos contrários da bancada do PT, a Assembleia Legislativa aprovou na sessão plenária desta terça-feira (05/11) o PL 301/2024, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre os Planos Municipais de Arborização Urbana e estabelece diretrizes e critérios para o manejo de vegetação, nativa e exótica, sob redes de distribuição e linhas de transmissão de energia elétrica em áreas rurais e urbanas no Rio Grande do Sul. A bancada do PT pediu a retirada do regime de urgência e apresentou nove emendas para tentar minimizar os prejuízos que a proposta que autoriza as concessionárias de energia elétrica a cortarem as árvores, sem licença prévia. No entanto, as propostas não chegaram a ser discutidas porque os deputados da base governista utilizaram da prática corriqueira de pedir preferência para os seus requerimentos. 

A proposta do governo Leite preocupa a todos os gaúchos devido às constantes faltas de luz e o dilema que vivem as populações dos municípios. “Se energia é importante, não menos importante é o papel que as árvores têm em uma cidade. Não menos importante que o ambiente de uma cidade bem arborizada pode oferecer para a população que vive nesta cidade. Nós que estamos vivenciando no RS um exemplo específico, as grandes mudanças climáticas, precisamos ter muito cuidado quando tratamos de um assunto como este”, afirmou o deputado Zé Nunes para quem era necessário que se retirasse o regime de urgência do projeto, para ele ser debatido. 

O deputado destacou que as diferentes regiões têm características ambientais muito diferentes e que precisam ser respeitadas. “Podemos fazer um regramento que coloque princípios, mas a última palavra tem que ser de cada município”, afirmou, argumentando que as emendas que a bancada do PT apresentou, tentam melhorar o projeto, mas o ideal seria retirar o regime de urgência para possibilitar a realização de audiência pública.  “Não podemos dar uma carta branca para as concessionárias de energia elétrica. Aqui em Porto Alegre, se um jacarandá estiver prejudicando, passa-se a motosserra porque está tudo justificado e não pode ser assim”.

Para a bancada, o regime de urgência não se justifica diante da complexidade do projeto. “Não está transparente este projeto. São cinco anos para que os municípios criem um plano de arborização. Então qual é a necessidade e a pressa de Eduardo Leite aprovar essa matéria? Nos dê um tempo. Vamos aprofundar a discussão, sentar com especialistas, técnicos”, defendeu o deputado Adão Pretto Filho, acrescentando que a crise climática não é obra do acaso, mas reflexo da relação do homem com a natureza. Pretto salientou o aumento da temperatura nas cidades desmatadas. Defendeu que é preciso ampliar o debate sobre a falta de energia elétrica. Um dos maiores problemas não são as árvores, mas a falta de manutenção da rede e da não substituição de postes. 

A justificativa do governo é de que a segurança e continuidade do serviço de fornecimento de energia elétrica são considerados de utilidade pública. “No entanto, na hora de privatizar a distribuição de energia este argumento não foi considerado”, advertiu a deputada Sofia Cavedon. Para a parlamentar, ao aprovar esse projeto, a Assembleia estará acabando com as licenças ambientais. “Por que não se prevê outras medidas que não seja corte, que não seja supressão, mas o uso de tecnologia e a mudança do sistema de redes?”, indagou. 

O deputado Jeferson Fernandes afirmou que a preocupação com a vegetação que fica abaixo das redes de energia elétrica é natural. Geralmente a arborização é responsável por 10 a 15% das interrupções de fornecimento de energia e quando há algum evento climático, esse percentual aumenta para 70%. “É um problema complexo e a solução do governo é simplória porque em 30 dias é muito pouco tempo para qualquer análise de uma matéria dessa natureza e porque autoriza as empresas e obriga os municípios a resolver o problema, desconsiderando elementos da legislação federal e estadual”. Para o deputado, ao autorizar o desmatamento, está legalizando a criação de um problema causador do aquecimento.

O deputado Leonel Radde lembrou que Porto Alegre durante muitos anos foi a capital mais arborizada do país e hoje o que se vê são políticas que vão contra ao que a cidade precisa. “Pergunto aos responsáveis das nossas concessionárias por que a alternativa apresentada não é de enterrar fios, por exemplo? Temos tecnologia suficiente e ficaria mais harmônico, mas ninguém fala disso porque o lucro fala mais alto”. Radde observou que no norte do Estado de 2019 a 2023 foi registrado mais de 113% de desmatamento e afirmou que esse projeto vai na contramão do que o RS precisa. 

A dificuldade de fiscalização também foi levantada pela bancada do PT, pois as empresas estarão livres para cortar. “Como o Ministério Público (MP) sempre foi muito atento a estas questões não vai poder atuar, pois está previsto no projeto que não precisa órgão ambiental e nem o MP pode se manifestar sobre isso. Até então, uma árvore retirada e uma denúncia no MP dava dor de cabeça e trabalho para prestar informações”.  Mainardi afirmou também que o projeto é inconstitucional, pois fere a autonomia dos municípios. “A Constituição Federal não permite isso. Para criar um plano municipal seria necessária uma lei complementar federal que autorizasse os estados a determinarem o que os municípios vão fazer sobre isso”. 

A inação do governo Leite diante da tragédia climática também foi lembrada. “Espero que neste assunto o governo Leite tenha um pouco de humildade e faça uma autocrítica que não tem feito nos últimos anos quando se trata de temáticas ambientais. Poderia retirar o regime de urgência, fazer o debate adequado para enfrentar um problema real”, afirmou o deputado Pepe Vargas. Para o parlamentar, não é possível votar um projeto que não foi discutido com as prefeituras nem com a sociedade e não resolve o problema. “Se for aprovado e publicado no Diário Oficial, no dia seguinte as concessionárias vão poder sair cortando árvore do jeito que quiserem e como bem entenderem”, disse Pepe, lembrando que o governo Leite patrocinou uma desfiguração do Código do Meio Ambiente do Estado, patrocinou mudança absurda do Código Florestal no Estado, alterou a lei de agrotóxicos e sancionou lei que permite que áreas de proteção permanente sejam utilizadas para fazer barragens. “Todas essas questões têm interferência direta nas questões ambientais”. 

A incoerência do regime de urgência do projeto está também no fato de que os municípios terão cinco anos para apresentar um plano municipal de arborização. Ou seja, os prefeitos eleitos não terão essa responsabilidade. O PL do governo fala que a construção do plano municipal deve ter ampla participação social. No entanto, o seu projeto não chegou a ser discutido com ninguém. “Entre a árvore e a energia elétrica, o povo quer as duas coisas. Por que é que o governo traz essa disjuntiva? Não há nenhuma necessidade de fazer essa escolha”, defendeu o líder da bancada do PT, deputado Miguel Rossetto, lembrando que, ao mesmo tempo que o governo dá cinco anos para os municípios elaborarem planos de arborização, diz para as concessionárias: “cortem já as árvores”.

 

 

Texto: Claiton Stumpf
Foto: Kelly Demo Christ

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