Governo Leite e prefeituras ignoram gestão democrática nas escolas da rede pública

Governo Leite e prefeituras ignoram gestão democrática nas escolas da rede pública

A gestão democrática e a eleição de diretores nas escolas públicas foi tema dos Assuntos Gerais da reunião de terça-feira (13/08) da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, presidida pela deputada Sofia Cavedon, que justificou o tema devido a uma série de problemas e denúncias que chegaram ao colegiado nas últimas semanas. Para a parlamentar, as mudanças feitas pelo Governo Leite não tinham apoio das entidades, nem foram resultado dos debates da Conferência Extraordinária de Educação, nem do Plano Estadual de Educação em vigência. “Nós infelizmente tivemos um recuo muito importante no conjunto das redes municipais. A maioria das cidades perdeu a eleição para diretores. A argumentação dos prefeitos é da inconstitucionalidade e da legalidade. Contraditoriamente, o próprio Fundeb prevê complementação a partir de critérios e um deles é ter consulta à comunidade escolar para a eleição das direções.”

Julia Arduim Soardi, professora da Escola Municipal de Educação Fundamental João Palma da Silva, no bairro Mathias Velho, em Canoas, um dos mais atingidos pelas enchentes de maio, faz parte de um grupo de docentes que procurou a Comissão de Educação para denunciar irregularidades na retomada das aulas após o recuo das águas. Conforme o relato, o processo de retomada das atividades escolares, por parte da Prefeitura de Canoas, foi realizado sem planejamento com a comunidade escolar, com os professores e funcionários. Muitas das famílias atingidas, nem mesmo voltaram para suas casas e muitos não retornaram ao bairro. Julia citou o Artigo 25 da Resolução do Conselho Municipal de Educação (CME) de Canoas, que estabelece as rotinas para o retorno e as obrigações das mantenedoras das escolas, que inclui o acolhimento dos professores, funcionários e estudantes. Segundo a professora, a retomada foi realizada às pressas, com apenas uma reunião na sexta-feira (02/08) e a reabertura dos trabalhos na segunda-feira posterior. Julia contou que nem mesmo a estrutura da escola foi devidamente preparada para receber as crianças, apresentando inclusive situações de risco à vida, como fiação elétrica exposta, sem portas e sem a devida limpeza das salas atingidas pelas águas contaminadas. Na única reunião prévia, os professores também foram informados da extrapolação de horas-aula, com a inclusão de três sábados por mês, em turno integral, sem qualquer diálogo ou de adoção das outras possibilidades previstas na mesma Resolução do CME. Ao retomar as atividades, a escola foi surpreendida com a troca da direção, por uma pessoa que não pertencia ao quadro de professores da escola e que foi indicada pela Secretaria Municipal de Educação. A antiga diretora foi transferida, sem qualquer registro de irregularidade nas atas da escola, como determina a legislação vigente. Julia relatou ainda que o episódio da troca de direção, sem diálogo e sem os ritos legais se reproduziu em várias outras escolas da rede municipal.

Em Porto Alegre, onde a cidade está no quarto secretário de Educação em três anos, a legislação de eleição de diretores foi alterada em 2019, durante a gestão do prefeito Nelson Marchezan Jr (PSDB). Isso fez com que as direções de escolas estejam vinculadas ao rendimento no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e a escola ter no mínimo 80% do seu quadro de professores preenchido, conforme o relato da representante da Associação dos Trabalhadores/as em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Rosele de Souza. Para ela, foi naturalizado pela prefeitura a falta de professores na rede pública municipal, as condições de trabalho e infraestrutura seguem precarizadas, funcionando em prédios alugados, porque os públicos estão fechados por falta de manutenção.

Na rede estadual, conforme o relato do vice-presidente do CPERS-Sindicato, Edson Garcia, a situação do afastamento de diretores e professores acontece da mesma forma, com pouca transparência e sem participação da comunidade e sem que a vaga seja preenchida. Garcia afirmou que também há muitos gestores nomeados pela Secretaria de Educação que não conhecem a realidade da escola. Ele também denunciou que não há por parte do Governo do Estado um planejamento objetivo de retomada das atividades escolares depois das enchentes. Para Garcia é preciso retomar o processo democrático nas escolas, com transparência e participação direta da comunidade escolar.

Já o vice-diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Padre Réus em Porto Alegre,  Ruy Guimarães, afirmou que as mudanças na gestão democrática das escolas estão intimamente ligadas ao processo de privatização da educação pública que já acontece há mais de 10 anos e não tem apoio da comunidade escolar. Se antes, os programas eram opcionais, agora o Governo Leite obrigou a adesão das escolas. Guimaraes comparou as medidas àquelas implementadas pela ditadura de Augusto Pinochet, no Chile, com a imposição de práticas de gestão de empresas, para dentro das escolas. O vice-diretor denunciou ainda a falta de cozinha, refeitório e laboratório de informática e a cobrança de metas do Ideb sem oferecer as condições estruturais.

A deputada Sofia Cavedon encaminhou o pedido dos presentes de realização de audiência pública para debater a gestão democrática nas escolas da rede estadual e das redes municipais. “Nós estamos ficando muito fragilizados nas escolas, não tem concurso, nossos colegas são contratados, não têm direito a fazer parte da gestão das escolas, não têm carreira. A nova carreira de ensino superior no RS parte do salário de R$ 8 mil. Nós falamos para o governador, o magistério com ensino superior tem que ter o mesmo piso. A educação, comparando com os demais que tem ensino superior, é metade do salário.”

 

Texto: Adriano Marcello Santos
Foto: Lucas Kloss | ALRS