segunda-feira, 25 novembro
Foto Greice Nichele

“Judicialização excessiva, lawfare, colaboração internacional, diálogos entre direitos doméstico internacional, ONGs, transparência, responsividade, responsabilidade, carreiras de estado, o elitismo como cultura da administração pública, diálogos e equilíbrio entre os poderes de estado, participação e controle sociais, temas que evidenciam a urgência de inéditos arranjos institucionais e de novos atores e movimentos capazes de democratizar o sistema de justiça e o acesso a ela”. Esses foram os objetivos da mesa do eixo 2, realizada na manhã desta quinta-feira (28) dentro da programação do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia com a mediação da juíza aposentada do TRT/RJ, Raquel Braga. 

A perspectiva internacional sobre os assuntos foi levantada pela professora e coordenadora do programa de iniciação científica e tecnológica da Pró-Reitoria de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná e membra da ABJD, Larissa Ramina. Ela iniciou sua fala analisando o papel do ex-juiz Sérgio Moro, citando reportagem do jornal Le Monde, que mostra como o sistema de justiça brasileiro foi manipulado por interesses norte-americanos, sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro. “Quando em 2014 começamos a falar que começou uma guerra contra o Brasil fomos ridicularizados, mas parece que a partir do momento em que um jornal como o Le Monde faz uma reportagem mostrando isso, deixamos de parecer loucos”, disse.

Conforme Larissa, isso só foi possível a partir da cooptação pelas academias internacionais de aplicação da Lei, que substituíram a antiga “Escola das Américas”, conhecida por ensinar métodos de tortura na América Latina. A partir disso armou-se a estratégia para o golpe de 2016. “O fato de a maioria dos processos judiciais focarem em líderes de governos progressistas latino americanos dá indícios de que estamos diante de uma nova estratégia de disputa geopolítica na América Latina e, portanto, é uma estratégia com muitas dimensões”, afirmou, por fim dizendo que “essa guerra contra o Brasil não acabou”. 

Rubens Casara, doutor em Direito, mestre em Ciências Penais, e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ). Coordenador de Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), fundador do Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia (MMFD), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano complementou dizendo que em sentido amplo, a arquitetura é uma intervenção da cultura na natureza para satisfazer determinada expectativa e a proposta é analisar as possibilidades para “a construção de um sistema de justiça que atenda as expectativas democráticas e sirva de abrigo às forças sociais com potencial emancipatório. Um sistema que seja crítico no sentido de capaz de formular um diagnóstico preciso do tempo presente e ao mesmo tempo direcionar seus esforços à construção de um outro mundo democrático na direção emancipatória”. 

Para Casara, o Brasil tem uma tradição que condiciona a interpretação produzida pelos atores jurídicos que integram o sistema de Justiça e os valores e regras e princípios que servem de base e de estrutura a este sistema. “A ausência de uma cultura democrática leva a uma espécie de sadomasoquismo autoritário. As pessoas são sádicas com aquelas que consideram inferiores ao mesmo tempo em que são submissas com aqueles que consideram superiores”. 

Por nunca ter elaborado o fenômeno da escravidão, conforme o professor, o brasileiro até hoje naturaliza a hierarquização entre pessoas. “Existem pessoas ‘matáveis’ e outras não. Se há morte de uma criança numa favela no máximo dá uma nota de rodapé no jornal; se uma criança da mesma idade indo para a escola em uma zona privilegiada é manchete de primeira página e quando não muito um secretário de segurança cai”, exemplificou, concluindo que o Estado condicionado pela racionalidade neoliberal é rigorosamente “um estado a serviço do poder econômico”. Essa realidade, segundo o pesquisador só será modificada se rompermos com a tradição autoritária brasileira e com a hegemonia da racionalidade neoliberal. 

Para a professora Soraia Mendes, pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas, doutora em Direito, Estado e Constituição; mestra em Ciência Política, e pós-graduada em Direitos Humanos e perita em processo penal credenciada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o processo de “caça às inimigas” sempre foi chancelado a partir de decisões judiciais. “Tenho o dever de ressaltar a importância que é estarmos atentos para este momento. No século passado, quando comecei a acompanhar as atividades e violações de direitos humanos cometidas por membros do judiciário na Colômbia, lembro de ter entrado em uma reunião em um gabinete de um procurador geral e encontrar a bandeira da Colômbia e dos Estados Unidos”, relatou.

Conforme a professora, todos os advogados e advogadas são submetidos a uma formação de um sujeito neoliberal através da “competição para ver quem consegue se mostrar mais apto ao sistema”. Por outro lado, observou, a ideia do concurso público é bem menos pela vocação do que pela disposição de encontrar um lugar para uma boa vida financeira e todas essas demandas do sistema, no sentido de eficiência, está conectada com o que introjeta-se nos indivíduos.  “Vivemos tristes, em depressão, desiludidos e tudo isso serve ao sistema e quem coloca a cabeça para fora para dizer isso, é tachado de alguém que não compreende que o bom é fazer o desenho na petição, facilitando a vida do juiz”. Para finalizar, disse a professora, “democracia é o único regime que depende e que se identifica ele próprio como uma sociedade democrática”.

Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)

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