A nação brasileira despertou dividida na manhã de 1º de abril de 1964, há 56 anos. Os ouvidos da população estavam atentos ao rádio que anunciava em sucessivas edições extraordinárias: o governo do presidente João Goulart fora deposto pelas Forças Armadas.
Os golpistas foram apoiados por setores sociais conservadores dentro e fora do Congresso Nacional, com participação ativa da embaixada dos Estados Unidos, das famílias proprietárias de terras, dos meios de comunicação e da hierarquia da Igreja Católica que se opunham às Reformas de Base defendidas pelo presidente da República. Goulart tinha ao seu lado sindicatos e associações de trabalhadores, as Ligas Camponesas, os movimentos estudantis e amplos setores populares do país.
Conspiração – Tropas do Exército deram o golpe de Estado respondendo aos objetivos de uma conspiração civil-militar que percorrera uma década acidentada – desde o suicídio de Vargas, em 1954 – em defesa dos interesses dos extratos do topo de uma sociedade criminosamente desigual.
Os golpistas desencadearam uma violenta repressão contra as entidades populares. Amordaçaram jornais, fecharam sindicatos, incendiaram a sede da UNE. Romperam com o Estado de Direito estabelecido pela Constituição de 1946.
João Goulart, legitimamente eleito, foi forçado a exilar-se. Os generais, liderados por Castelo Branco e seus aliados civis — os governadores de Minas, Magalhães Pinto, do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Adhemar de Barros — , usurparam o poder violando a Constituição e se atribuíram a legitimidade da boca dos canhões.
Perseguição – Os usurpadores baixaram o primeiro Ato Institucional, ainda sem número; ao longo de duas décadas eles seriam 17. Para investigar e punir os inimigos do novo regime eles criaram as Comissões Gerais de Investigação e instauraram os Inquéritos Policiais Militares (IPMs); fecharam o Congresso Nacional, cassaram os mandatos de parlamentares opositores; extinguiram os partidos políticos e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e dizimaram as Ligas Camponesas.
Nos nove meses seguintes ao golpe produziram mais de 500 intervenções em Sindicatos de Trabalhadores, fazendo com que seus dirigentes fossem destituídos, presos, torturados, mortos ou forçados ao exílio. Quatro anos depois, em outubro de 1968, oitocentos jovens foram presos em Ibiúna, na grande São Paulo, quando participavam do Congresso Nacional da UNE.
AI-5– Utilizando como pretexto a recusa do Poder Legislativo de dar licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves, que fizera, na tribuna da Câmara dos Deputados, um pronunciamento exortando as mães que não permitissem que seus filhos participassem das manifestações do Dia da Pátria promovidas por um governo que atirava contra eles quando ocupavam as ruas para expressar sua revolta contra o arbítrio, o general Costa e Silva assinou, em 13 de dezembro, o Ato Institucional Nº 5.
Uma monstruosidade jurídica composta por apenas 11 artigos, ancorada exclusivamente na força das armas. O Congresso foi mais uma vez fechado. Foi abolido o habeas corpus, instituto definidor, por excelência, do Estado Democrático de Direito.
Ditadura- As consequências direta do AI-5 foram a prática da pena de morte para algumas lideranças consideradas adversárias do regime e o banimento de cidadãos. Uma legião de expulsos do País, convertidos em apátridas. Sem documentos que lhes assegurassem território, uma referência de nascimento, um lugar. A inteira vulnerabilidade diante do mundo. Esse drama só ocorrera até então na Europa, com os judeus, sob o nazismo.
À semelhança de outros regimes autoritários na América Latina, o poder que se materializava pela truculência contra seus cidadãos instituiu a tortura como método e instrumento quotidiano para aniquilar seus opositores. Montou um sistema repressivo tentacular com o objetivo de estabelecer o controle policial absoluto da sociedade.
CIA – Assentado sobre a delação, o medo, as prisões, a tortura, os estupros, os assassinatos, o regime militar incorporou os “desaparecimentos” forçados. Esse evento se disseminou pelo subcontinente como um fenômeno inseparável das ditaduras que emergiram na América Latina naquele período, todas elas inspiradas e financiadas pelos interesses dos Estados Unidos e implantadas com a participação da CIA. Isso ficou claro com a chamada Operação Condor, traço unificador de todas elas, na brutalidade e nos objetivos. Esses são os fatos indesmentíveis.
Na segunda-feira, 31 de março – por algum motivo os militares golpistas e seus seguidores evitam lembrar que o golpe se deu em 1º de abril – o general Hamilton Mourão, que há um ano faz aquecimento para assumir a Presidência da República, ofereceu ao país uma singela declaração sobre a intervenção das Forças Armadas para “salvar a democracia”, nos idos de março de 1964. Foi seguido pela Ordem do Dia do ministro da Defesa.
Nesse país que anda em círculos, aparentemente ambos veem os fatos aqui alinhavados como expressão da democracia: um regime que, no Brasil, enxerga o povo como seu principal inimigo. Não deve espantar, portanto, a indiferença do governo atual, herdeiro daquele, diante da sorte de nossa gente que vive nas pequenas cidades, nas favelas e periferias das grandes cidades, no campo e nos rincões distantes do país, frente às consequências da pandemia de coronavírus.
56 Anos de Golpe Militar. Ditadura Nunca Mais!
Paulo Pimenta, Deputado federal (PT-RS) e presidente do partido no Rio Grande do Sul
Fonte: Sul21